por Ruy Castro
Em fevereiro próximo serão 20 anos da morte de Paulo Francis. “Paulo quem?”, perguntarão alguns. Digo isso porque —atualizando a frase de Ivan Lessa—, num país que a cada ano esquece o que aconteceu no ano anterior, Francis já devia ter sido esquecido há muito.
Mas não é assim. Sua memória continua viva e, sabendo que fomos amigos, jovens que o descobrem pelo YouTube querem saber como ele era por trás daqueles óculos.
Uma boa resposta hoje seria: leiam “A Segunda Mais Antiga Profissão do Mundo”, coletânea de suas colunas de Nova York para a Folha entre 1975 e 1990, que acaba de sair.
Descobrirão um homem que tratava a “alta” e a “baixa” cultura com a mesma sem-cerimônia, fazia citações secretas (e quem entendesse, entendesse) e usava expressões já fora de moda, como “bocó”, “do balacobaco” e “neca, Dulcineca”. Não tem preço lê-lo sobre pessoas que admirava, como Bernard Shaw, H.L. Mencken, George Orwell.
Francis era político em tudo que escrevia, mesmo que sobre jornalismo e cultura, como neste livro —que se passa bem na época de sua, para mim, propalada conversão da esquerda para a direita.
Conheci Francis em 1967. Pelos 30 anos seguintes, encontramo-nos com frequência em três continentes e nunca o vi como um homem de esquerda.
Foi preso quatro vezes pela ditadura, entre 1968 e 1971, embora seu único risco para o regime fosse o de, um dia, convencer o povo de que os militares eram um bando de jecas atônitos com o poder.
Os jovens que participavam das passeatas em 1968 o achavam um “burguês idealista e livresco”, insulto então terrível.
No futuro, ele apenas assumiria, rindo, essa definição. Francis escrevia para um leitor utópico, capaz de decifrar até suas entrelinhas. Mas esse leitor só existia em seu espelho —o que torna sua leitura, hoje, uma festa.
*Publicado na Folha de S.Paulo