14:07Ferreira Gullar, adeus

por Paulo Werneck, na FSP

Poeta Ferreira Gullar morre de pneumonia aos 86 anos no Rio

Ferreira Gullar, poeta, ensaísta, crítico de arte, tradutor, biógrafo e colunista da Folha desde 2005, morreu por volta das 10h deste domingo (4), aos 86 anos. Sua neta, Celeste, confirmou a morte. Ele estava internado no hospital Copa D’Or, no Rio de Janeiro, há cerca de 20 dias devido a insuficiência respiratória.

Segundo Maria Amélia Mello, amiga e editora de Gullar na José Olympio e também de seu último livro, “Autobiografia Poética e Outros Textos” (Editora Autêntica), o poeta morreu de pneumonia.

Com grande independência, quase sempre remando contra a corrente no poder, Gullar frequentou diferentes regiões de um amplo espectro ideológico. Renovador da linguagem poética e teórico da vanguarda, anos mais tarde ele enxergaria com olhos severos os rumos da arte contemporânea. Militante comunista, fez-se um rigoroso tribuno contra a esquerda no poder desde os primeiros momentos do governo Lula.

Sua fisionomia angulosa, cheia de vincos expressivos, fez a alegria dos designers gráficos, que a reproduziram ampliada em inúmeras capas de livros e revistas. Ao vivo, o corpo magro e frágil contrastava com o vigor escuro do olhar, o nariz proeminente que lhe dava um perfil de índio andino, os óculos metálicos dominando o rosto de fora a fora, a espessura das sobrancelhas, o gesto constante de levar as mãos à cabeça e ajeitar os cabelos muito lisos, brancos e compridos, ou então enxugar com o canto dos dedos a saliva acumulada nos lábios grossos.

Nascido em 10 de setembro de 1930, o maranhense José Ribamar Ferreira se espraiou em praticamente todos os campos da cultura, da poesia de vanguarda à canção popular, da teoria estética ao jornalismo, da ilustração de livros infantis à teledramaturgia. Quase sempre, com forte ênfase política. Para se distrair, entregava-se à reprodução de quadros de Mondrian e outros de seus mestres europeus, fazia colagens com recortes de revistas ou traduzia poesia. Está entre os primeiros nomes da extensa lista de biografias que ainda precisam ser escritas no Brasil.

Filho do comerciante José Ribamar Ferreira e da dona de casa Alzira Goulart, que lhe inspiraria o nome literário, Gullar publicou seu primeiro livro em edição do autor em sua São Luís natal, em 1949. “Um Pouco Acima do Chão” não teria lugar nas futuras edições de obra completa organizadas pelo poeta: trata-se, diz ele, de “um tateio inicial”, “um livro ingênuo”.

O seu segundo trabalho, de 1954, também saiu em edição do autor, mas de ingênuo não tinha absolutamente nada. “A Luta Corporal” foi a fagulha de um novo tipo de escrita que nos anos seguintes mudaria as noções tradicionais de verso, página, livro de poesia —em resumo, a própria poesia, tal como a entendíamos até então.

Escrito solitariamente, quando o autor já vivia no Rio (desde 1951), mas ainda tinha poucas conexões com o mundo literário, o livro soava como um salto radical em todas as dimensões —sonoras, gráficas, semânticas— e todas as possibilidades que a palavra impressa poderia oferecer.

“Diagramado e editado por mim, ele refletia a preocupação com a utilização do espaço em branco na estruturação espacial dos poemas, como também na titulagem e no uso da página em branco, feito camadas de silêncio acumuladas nas páginas”, recordaria Gullar, anos mais tarde, em seu livro “Experiência Neoconcreta” (Cosac Naify), volume que recupera os seus anos heroicos do neoconcretismo, ao lado dos artistas plásticos Lygia Clark, Hélio Oiticica e outros amigos. Segundo ele, “A Luta Corporal” se encerrava com a “implosão da linguagem”. “Mu gargantu / FU burge / MU guêlu, Mu / Tempu – PULCI”, escreve ele numa das passagens mais cheias de escombros.

“Naquele tempo eu não tinha família, nem uma vida regular, vivia sozinho num quarto perto da praça da Cruz Vermelha [no Rio]”, contaria o autor, anos mais tarde, à equipe dos “Cadernos de Literatura Brasileira”. “Era uma vida desligada da realidade comum de todos. Eu vivia, então, ‘num clima de aventura’.”

Entre seus primeiros leitores, estava o escritor Oswald de Andrade, que apareceu de surpresa para cumprimentar Gullar no dia de seu aniversário, em 1953. O autor de “Poesia Pau-Brasil” tinha lido “A Luta Corporal” ainda nos originais e se impressionou pelo vigor daquele jovem poeta maranhense.

O livro também o aproximou de dois personagens-chave: os irmãos Haroldo e Augusto de Campos e Decio Pignatari. Conta Gullar que os três poetas entraram em contato com ele por carta, depois de terem lido “A Luta Corporal”. Augusto foi ao Rio para um encontro com Gullar, no qual teria manifestado insatisfação com o estado da poesia brasileira naquele momento.

A correspondência inaugurada ali gestou uma das mais importantes revoluções artísticas do século 20 no Brasil, e também uma curta, porém fértil, colaboração entre o grupo dos paulistas e o dos cariocas. Não demorou a nascer também uma das mais duradouras disputas intelectuais do país, que começou em torno da paternidade da abolição do verso tradicional. Isto é, quem foi o primeiro a afirmar que um poema já não precisava mais ser organizado em linhas para ser um poema?

Gullar e os paulistas estavam juntos, na 1a Exposição Nacional de Arte Concreta, realizada em São Paulo em dezembro de 1956. Em fevereiro de 57, quando foi inaugurada no Rio, Gullar publicou no “Suplemento Dominical do Jornal do Brasil” um artigo em resposta a um manifesto de Haroldo de Campos em que explicitava as diferenças que enxergava entre o seu grupo, o dos “cariocas”, e os dos paulistas. Para Gullar, Haroldo defendia a subordinação da poesia a equações matemáticas. “Considerando que aquilo era inviável”, registraria Gullar, anos mais tarde, “telefonei a Augusto, dizendo que não podia subscrever semelhante teoria. Sua resposta foi que eu então procedesse como me parecesse melhor, pois eles não desistiriam daquela tese.”

Agora conhecidos respectivamente como os “neoconcretos” e os “concretos”, os dois grupos passariam a reivindicar o pioneirismo na dissolução do verso e na exploração das dimensões concretas da palavra. A disputa, que acompanharia os contendores ao longo da vida inteira, não é facilmente explicável, mas influenciou as gerações de artistas subsequentes e ecoou, por exemplo, no Tropicalismo de Caetano Veloso.

“Lembro-me que defendia a tese de que a questão fundamental da nova poesia não era ‘criar um novo verso’ (como escrevera Haroldo na ocasião) e, sim, ‘superar o caráter unidirecional da linguagem, rompendo com a sintaxe verbal'”, rememora Gullar em “Experiência neoconcreta”. “Esta tese foi aceita por eles e de algum modo contribuiu para que buscasse solução no poema visual, construído geometricamente no espaço da página.”

Mais adiante, o poeta reconhece: “Sem qualquer dúvida, o contato com Augusto de Campos e com suas experiências poéticas me ajudou a sair do impasse a que chegara com ‘A Luta Corporal'”.

Aquele encontro no Rio, em 1955, ainda renderia, quase 60 anos depois, uma agressiva troca de farpas entre Gullar e Augusto de Campos, relativa às afirmações do maranhense de que foi ele quem apresentou aos irmãos Campos a poesia de Oswald de Andrade, referência central para os concretos. Em artigos publicados na Folha, ambos reconstituíram em minúcias o encontro, realizado no restaurante Spaghettilândia.

SUPLEMENTO DOMINICAL DO JB

Seja como for, a influência mútua entre os concretos e os neoconcretos é inegável e teve importantes desdobramentos na poesia e na teoria estética brasileira. Pignatari e os Campos deram prosseguimento à poesia concreta no grupo Noigandres; Gullar ganhou destaque como crítico e teórico do grupo carioca, em seus artigos publicados no “SDJB”.

Desde 1955, Gullar estava engajado no projeto do “Suplemento Dominical” do “Jornal do Brasil”, considerado um marco do jornalismo cultural brasileiro tanto em termos de design gráfico – quem fazia a diagramação e ilustrava era o artista plástico Amilcar de Castro – como de texto. A turma do “SDJB” era o correspondente, no jornalismo e na arte de vanguarda, do ímpeto criativo de João Gilberto, Tom Jobim e Vinicius de Moraes na criação da Bossa Nova.

O caderno levou a sensibilidade da vanguarda carioca para as páginas de um jornal dos mais tradicionais: era uma espécie de protetorado do grupo neoconcreto, com Gullar e pesos-pesados como Janio de Freitas, Reinaldo Jardim, Franz Waissman, Lygia Clark e Lygia Pape.

No “SDJB” Gullar publicou textos centrais como o “Manifesto Neoconcreto” e a “Teoria do Não Objeto” (1959), pequeno ensaio que alguns colegas de Gullar coassinaram, no qual são antecipadas questões centrais da arte contemporânea nas décadas vindouras, não apenas no Brasil, mas em nível mundial: a obra de arte que só se torna arte com a participação ativa do espectador, o “não objeto”.

Naquele ano, nasceram obras que ilustram o pioneirismo de seu autor: os livros-poema, os poemas espaciais e o “Poema enterrado” -um buraco cavado no terreno da casa do pai do artista Hélio Oiticica, com cubos de diferentes cores e tamanhos que o espectador podia manipular. Debaixo do menor dos cubos, havia um quadrado com a palavra “rejuvenesça”. Uma inundação, porém, inviabilizou a inauguração do “Poema enterrado”, que jamais seria exibido ao público.

POEMA SUJO

Se o “clima de aventura” de sua vida no Rio tinha sido determinante para escrever “A Luta Corporal”, as aventuras solitárias do exílio devolveram Gullar à criação poética radical, sem as amarras da poesia engajada. Em 1975, ele publicou “Dentro da Noite Veloz”, um dos mais importantes livros de poesia da década. No ano seguinte, Gullar compõe o “Poema Sujo”, seu poema mais conhecido e ícone da resistência à ditadura.

O momento não era exatamente propício à publicação de poesia no país – a nova poesia brasileira passava a ser divulgada na praia, em edições caseiras, impressas a mimeógrafo (sistema de reprodução a álcool). E foi num meio heterodoxo – uma fita cassete levada de Buenos Aires na mala do poeta Vinicius de Moraes, em abril de 1976 – que um dos grandes poemas brasileiros da década de 70 chegou aos leitores.

Quem definiu o impacto daqueles 40 minutos de gravação foi o portador da fita, que não mediu palavras para descrevê-lo em carta para o amigo Calasans Neto: “Cem páginas da mais alta poesia; um troço, pai, de arrepiar os cabelinhos do cu”. Gullar, exilado, e Vinicius, em turnê com Toquinho e Miúcha, agitavam as baladas dos brasileiros exilados na Argentina. Foi numa dessas festinhas regadas a caipirinha e feijoada que o maranhense leu o “Poema Sujo” para os amigos. “A emoção foi tanta, quando ele o leu para nós, que quase todo mundo chorava”, lembraria Vinicius.

Gullar dava uma resposta ao clima de repressão que dominava a América Latina, explicou Vinicius: “A oportunidade do poema é total, para mostrar a esses cínicos de merda que a poesia, longe de ter morrido, está mais viva do que nunca, quando agarrada assim pelos cornos por um verdadeiro poeta.” Ainda em 1976, o “Poema Sujo” seria publicado em livro pela Civilização Brasileira, num lançamento apinhado, mas sem a presença do autor.

Escaldado pelo golpe no Chile, Gullar percebeu sua permanência na Argentina se tornava cada vez mais arriscada. O país vizinho já estava sob sua mais sangrenta ditadura: num episódio jamais elucidado, naquela mesma temporada o pianista de Vinicius, Tenorinho, acabaria sendo sequestrado por agentes da repressão ao sair para comprar cigarros – seu cabelo e suas roupas bastaram para que se tornasse alvo da direita radical, entrando para a conta dos “desaparecidos” políticos da ditadura que se instalava na Casa Rosada.

Afastado pelo regime militar de sua carreira no Itamaraty, Vinicius tornou-se um embaixador de Gullar e de seu poema: promoveu audições da fita em sua casa no Rio, convidando Chico Buarque, Francis Hime, Tom Jobim, Carlos Heitor Cony, Ênio Silveira e quem mais pudesse ajudar a divulgá-lo. Fez publicar o livro em espanhol, cavou reportagens e entrevistas com o autor. A agitação promovida por Vinicius era uma deixa para que Gullar tentasse voltar ao Brasil – seria bem menos arriscado, naquele momento em que mal se esboçava a abertura política, chegar acompanhado de uma estridente claque, cobertura da imprensa, festejos e quanto barulho fosse possível fazer.

A missão diplomática em favor de Gullar também contou com a ajuda dos jornalistas Zuenir Ventura e Elio Gaspari. Diretor-adjunto na “Veja”, Gaspari, lembraria Gullar, deu ao homem forte do governo, o general Golbery do Couto e Silva, chefe da Casa Militar da Presidência da República, um exemplar do recém-publicado “Poema Sujo”. “Golbery achou-o obsceno, mas nem por isso se opôs à minha volta ao país”, recordaria Gullar. “Já o general João Figueiredo, chefe do SNI, era de opinião diferente. ‘Não quero esse comunista aqui’, teria declarado ele, segundo Golbery.”

No embalo do “Poema Sujo”, do sinal verde de Golbery e de sua absolvição no processo policial-militar que o levara a deixar o Brasil, Gullar decidiu se arriscar a retornar -não sem tomar algumas precauções, como convocar a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Sindicato dos Jornalistas para acompanhar seu desembarque. “Essas medidas visavam despojar o meu gesto de qualquer traço conspiratório ou clandestino, neutralizar a ação arbitrária dos órgãos de repressão e, ao mesmo tempo, responsabilizar o governo pelo que ocorresse”, explicaria o poeta em suas memórias.

Alardear o retorno nas maiores revistas de São Paulo e do Rio também fez parte da estratégia. Uma entrevista que Rui Lima publicou nas “Páginas Amarelas” da “Veja” ajudou a pavimentar o caminho de volta, apresentando os argumentos conciliatórios do poeta: “Gullar nunca foi um asilado – saiu legalmente do país e legalmente vai voltar, inclusive porque foi absolvido por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal no processo dos intelectuais, em 1974. Vários motivos o trazem de volta, além do fato de ‘não suportar mais viver fora do Brasil’-entre eles um filho doente que sempre reclama sua presença, no Rio”. Carlos Heitor Cony o entrevistou para a “Manchete”.

Por volta de oito horas da noite do dia 10 de março de 1977, o poeta pousou no aeroporto do Galeão, no Rio. “Ao chegarmos ao guichê da polícia, onde devíamos apresentar os documentos, vi escrito numa folha presa à parede: ‘Ferreira Gullar ou José Ribamar Ferreira – detê-lo”. Recebido por uma multidão de amigos e jornalistas, não foi detido – mas no dia seguinte seria intimado pela Polícia Marítima. Passou o fim de semana nas mãos de policiais, foi levado de um porão da repressão para outro, tiraram-lhe a roupa e o pressionaram a responder sobre “a escola de subversão” que frequentara em Moscou. Foi libertado após uma forte mobilização de amigos.

Pouco depois, ao pedir a seu advogado que sacramentasse no Superior Tribunal Militar a extinção do processo movido contra si, Gullar descobriu que, nos autos, o José Ribamar Ferreira procurado era outro: um líder camponês, também maranhense, que, ao contrário do seu homônimo poeta, abraçara a luta armada.

CONSAGRAÇÃO

Se é certo que Ferreira Gullar, após cair na clandestinidade em 1970, percebendo que mais cedo ou mais tarde iria parar na cadeia, voltou ao país na condição de artista consagrado, ele só pode desfrutar a consagração com a abertura política, a partir de 1978, quando o AI-5 perdeu a validade, e 1979, quando passa a valer a Lei de Anistia. Naquele mesmo ano, sua voz anasalada e metálica ganhou a forma de LP no álbum “Antologia Poética”, com música de Egberto Gismonti, e Bibi Ferreira montou a primeira peça que Gullar assinou sozinho, “Um Rubi no Umbigo”. Em 1980, quando fez 50 anos, teve sua obra poética reunida pela primeira vez na edição “Toda Poesia” e lançou “Na Vertigem do Dia”, sua primeira coletânea de poemas desde “Poema Sujo”.

A convite de Dias Gomes, seu ex-camarada de Partidão, Gullar passou a integrar o núcleo de teledramaturgia da TV Globo, tendo escrito roteiros para séries como “Carga Pesada” e para a novela “Araponga”. Nos anos 1980 e 90, o trabalho na TV dividiria o tempo do poeta com a publicação de livros de poemas, ensaios, traduções e crônicas. Escreveu letras para uma dúzia de canções: tem parcerias com Caetano Veloso (“Onde Andarás”), Milton Nascimento (“Bela bela”) e Fagner (o hit “Borbulhas de Amor”). Entre 1992 e 1995, presidiu o Instituto Brasileiro de Artes e Cultura (Ibac), nome que Gullar trocaria pela antiga denominação do órgão, Funarte.

O retorno a uma intervenção permanente no debate cultural e político viria com força em 2004, quando passou a assinar uma coluna na Ilustrada. Relida hoje, a coluna de estreia, “Resmungos”, revela uma impressionante coerência do colunista nos mais de 11 anos que viriam pela frente. O autodeclarado “cronista bissexto” anuncia que vai escrever sobre política, “que não exige muita especialização”, e arte, assunto sobre o qual “até já escrevi livros”, ironiza. E, logo de saída, fustiga críticos e obras de arte contemporânea. De fato, espezinhar os governos petistas, ainda no auge do lulismo, e implicar com artistas, curadores e críticos seriam seus esportes prediletos nas páginas da Ilustrada.

(A coluna ainda serviria, de vez em quando, como um raro espaço confessional: Gullar valeu-se dela para combater causas que eram consenso nos meios de esquerda, como a lei que dificultou a internação de doentes mentais e as campanhas pela legalização de drogas. Dois filhos do escritor, Marcos, morto em 1993, e Paulo, tinham esquizofrenia grave, atribuída pela família ao abuso de drogas, nos anos 1970, durante o exílio. Gullar e sua mulher, Thereza Aragão, morta em 1994, ainda tiveram uma filha, Luciana.)

Transformados em livro, os resmungos de Gullar ganharam o Prêmio Jabuti de 2007. Aquela era uma temporada de prêmios —o Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto da obra, veio em 2005, quando o poeta fez 75 anos. Em 2010, a mais alta distinção da língua portuguesa, o Prêmio Camões, foi de Ferreira Gullar. Em 2011, os Jabutis de poesia e de Livro do Ano foram para os poemas de “Em Alguma Parte Alguma”. Em 2014, foi eleito para a cadeira 37 da Academia Brasileira de Letras, depois de passar anos afirmando que jamais aceitaria a imortalidade.

Na Flip, Gullar disse uma frase que viralizou nas redes sociais: “Não quero ter razão, quero é ser feliz!”. Outra máxima criada por Gullar, “a crase não foi feita para humilhar ninguém”, publicada em 1955 no “Diário de Notícias”, mais tarde seria citada até em anúncios de computadores IBM, para deleite do autor.

Os livros que Gullar publicou nessa temporada de prêmios sugerem que o octogenário cheio de vitalidade não estava dando muita bola para aquelas honrarias – e provavelmente estava feliz. Em “Zoologia Bizarra” (2010) e “Bichos do Lixo”, com um prosaico hobby doméstico, a colagem de papéis coloridos, ele se fez ilustrador de literatura infantil – evidentemente, compôs poemas para acompanhar os bichos de papel. Já em “Bananas Podres” (2012) Gullar retoma uma imagem recorrente em sua obra poética – o amadurecimento das frutas – em poemas manuscritos por ele mesmo e ilustrações a guache sobre jornais velhos.

Gullar deixa a companheira Claudia Ahimsa, dois filhos e oito netos.

*PAULO WERNECK é editor de livros e ex-curador da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.