9:49MEU ENCONTRO COM FIDEL

Rogério Distéfano

ANTES O MUNDO se dividia entre os que amavam e os que odiavam Fidel Castro – “senti sua morte como a perda de um irmão mais velho”, disse Lula, o cara de pau. Com a morte do Comandante surge a catarse entre os que avançam para chama-lo de assassino e os que o chamam de salvador. Bobagem. Foi um personagem histórico, de extensa e demorada presença em seu país e com influência na América Latina, nos últimos tempos limitada a atiçar o esquerdismo anti-EUA. Morto, seu julgamento é tarefa da História, não dos que usam o insulto para verter ignorância e frustração.

A mim interessa a outra moda, esta recente, dos íntimos de Fidel, os que conversaram com ele, que acenderam seu charuto, tocaram sua túnica ou recolheram um fiapo, como se fossem cruzados em demanda do Santo Graal, de sua barba, com o tempo mais e mais rala, a ponto de  ser penteada e afofada para manter o volume (um recurso utilizado pelos dois últimos ditadores norte-coreanos para aumentar a estatura). Pois bem, também tive meu encontro com Fidel Castro. Sem charuto, ele já não fumava, e a uma distância bem segura imposta pela segurança que o acompanhava.

Foi em 1987, seduzido pela excursão a Cuba, congresso de Direito do Trabalho. Não caí na conversa do Direito do Trabalho, contradição em termos em regime comunista, onde não se concebem patrões vis-a-vis empregados. Como dali se fazia uma perna para o México, o real interesse, juntei a familiagem e nos mandamos, na caravana plena de cariocas, paulistas e nordestinos. O congresso foi sacal, demorado, cafona, para fazer número obrigavam as crianças a assistir os debates. Pelo jeito, em Cuba criança fica quietinha na cadeira, estilo menino mijado. Direito? Nenhum.

Propaganda era o que mais havia. No aeroporto, minha filha, aparelho nos dentes, abordada na imigração: “Compañera Niña (assim mesmo), sabe que em Cuba o governo dá de graça esses aparelhos?” A Compañera Niña só queria encontrar o banheiro. O hotel, o Nacional, aquele dos mafiosos dos filmes do Chefão, símbolo da ditadura Fulgêncio Batista, caía aos pedaços, o banheiro sem tampa na privada e sem papel higiênico. Lembrei Frei Betto no livro sobre Cuba, que reclamara na portaria dizendo sobre os dois itens – “Si, se puede” – para ouvir a resposta que definia Cuba: “Si, si puede”.

A programação fora do congresso, pura ficção. Lembro duas, a do colégio de meninas e meninos vestidinhos de uniformes de primeiro mundo, as instalações perfeitas, parecia escola de Boston, Massachusetts. E o hospício, dos loucos mais sãos e inteligentes que se possa imaginar, mais lúcidos que os de Simão Bacamarte. Quase pedi transferência do hotel para o hospício – lá as tampas de privada macias e o papel higiênico seriam do padrão da primeira-dama do Rio, Adriana Ancelmo. Resolvo espairecer, uma fugida para o charuto nas redondezas do hotel, na Habana Vieja, o centro antigo.

Na rua sou abordado por dois cubanos, querem fazer câmbio de seus pesos por meus dólares – o Henrique Meirelles de Fidel havia decretado a paridade 1 por 1 entre dólar e peso. Daí a pindaíba do país e o mercado paralelo. Cheio de brio, reclamo com os dois, portunhol do melhor: “Esta es una actitud contrarevolucionária”. A resposta, “andate a la mierda”. Como já estava nela, nem precisei. Mas vi Fidel de perto, uns três metros, não podia evitar, o cara era um gigante. Minha mulher, de tinturas esquerdistas, subiu numa mesa para fotografar El Comandante. Fazer o quê, brigar com a mulher?

Viagem ao Exterior significa compras. As lojas de rua só abasteciam o povo. Prateleiras vazias, como a de sapatos, nada de caixas que viessem do depósito para prova e escolha. Era aquilo, feio, pobre, triste. Ah, sim, a famosa Sorveteria Copélia, item obrigatório em Havana. Só ela no centro da cidade e nela as filas enormes para o sorvete, realmente saboroso. O dólar com o câmbio maroto só deixava ao turista as lojas de hotéis, controladas pelo governo. Comprar o quê? Rum, charuto, charuto, rum. Comparar com o capitalismo de consumo seria pecado. Depois Rússia e China o acolheram. Cuba? Pode ser que esse maluco do Trump atrase mais ainda.

 

Uma ideia sobre “MEU ENCONTRO COM FIDEL

  1. Zé Mané

    Ouvi dias atrás de um dos comentaristas do Jornal da Cultura, Cuba é uma cápsula do tempo, lá tudo é antigo, como que parado no tempo, vive-se lá como se estivessem nos anos 50. O povo é muito simpático mas profundamente ignorante do mudo exterior, fanaticamente nacionalistas, talvez porque desconheçam o que rola lá fora. Trump pode fazer duas coisa, por Cuba no século XXI ou deixá-la nos anos 50, depende mais dele do que dos próprios cubanos.

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