por Ivan Schmidt
A tese, que é apenas uma tese, é recheada de inconsistências e, por esse motivo dificilmente passará sem críticas e contestações de parte de muitos observadores atentos à cena política paranaense.
Refiro-me ao governador Beto Richa, que nunca foi uma persona dominante e, muito menos, incontestável, em sua trajetória no espaço altamente movediço e traiçoeiro da práxis política, mas contabilizou ao final das eleições municipais desse ano uma coleção de vitórias em cidades grandes, médias e pequenas, patrimônio que lhe faculta certo conforto na execução dos planos políticos imediatos, com a certeza de que (se não houver um desastre grave) terá sua vaga garantida no Senado.
Ora, governador que pretende continuar navegando em mares calmos, em primeiro lugar precisa construir uma base sólida a partir dos municípios, e nessa equação a figura dos prefeitos tem importância fundamental.
Logo depois da eleição, chegou-se à afirmação de que a vitória de Rafael Greca em Curitiba se deveu, na devida proporção, ao esforço do governador do Estado, embora uma evidência real desse esforço não tivesse sido registrada ao longo da campanha, a não ser pelas aparições constantes de Fernanda Richa nos programas eleitorais do eleito.
Analistas disseram também que o governador assumia o risco de ficar na dependência do sucesso de Rafael na gestão municipal (se Rafael for bem Beto também irá), aduzindo que se tal variável não ocorrer, Beto decerto terá dificuldade para conquistar o próximo mandato, o que é perfeitamente compreensível.
Para muitos é uma surpresa a atual desenvoltura política do governador, que a bem da verdade construiu uma bancada majoritária e dócil da Assembleia Legislativa, inclusive com o desmonte da bancada do PMDB que se transferiu com armas e bagagens, com raras exceções, para uma legenda atrelada ao Palácio Iguaçu.
Atualmente, o governador não tem a menor sombra de oposição na Assembleia, papel esse exercido com disposição inegável, mas não raro de modo tosco e bitolado pelo Fórum das Entidades Sindicais do Paraná, APP Sindicato e uma ou outra entidade do chamado movimento social.
Em entrevista recente à Folha de S. Paulo, Beto disse que essas organizações de cunho corporativo e sindical, fortes ramificações ideológicas da CUT e da massa falida do Partido dos Trabalhadores, existem para atazanar sua vida e com as quais não pretende manter qualquer diálogo. Insinuou que mesmo a ocupação de escolas estaduais pelos alunos foi instigada pelos próprios professores.
Julgando-se inexpugnável na casamata guarnecida pela maioria obediente na ALEP e com a força eleitoral dos prefeitos dos principais municípios, o governador finca pé em sua renitência ao desrespeitar uma lei aprovada pelos próprios deputados de seu séquito, suspendendo o pagamento do aumento salarial dos servidores estaduais, mais 1% de aumento real, no mês de janeiro.
Para não soar tão draconiana e monocrática a decisão, o governador se deixou convencer que melhor seria dar oportunidade ao servidor de manifestar sua opção preferencial numa enquete postada na internet: não abre mão do reajuste ou se contenta com o pagamento de promoções e progressões atrasadas desde 2015?
Nesse aspecto o fórum sindical não quer saber de solilóquios ou meias palavras. Sua posição é clara e insofismável – e é correta — quanto à obrigação do governo estadual que deve ao funcionalismo tanto a data-base quanto as promoções e progressões.
Num outro ângulo o governador parece imperturbável, e ao que parece pouco preocupado com a quantidade de pré-candidatos à sua cadeira, mesmo que essa disposição de apropriar-se dos restos de balanço não esconda a veleidade alimentada por alguns dos candidatáveis quanto ao hipotético “enterro” do governo.
O problema é que em política as coisas são de tal maneira diáfanas e disfarçadas, que bem se poderia lembrar o verso de Augusto dos Anjos: “A mão que afaga é a mesma que apedreja”.
Estão aí os pretendentes ao governo do Paraná e seus discursos se superpõem sem o mínimo pudor dois anos antes da próxima eleição, sem respeito pelo titular do cargo. E com um traço surpreendente: todos eles pertencem ao entorno íntimo do governador. Já revelaram a disposição de disputar o governo a vice-governadora Cida Borghetti e os secretários Ratinho Junior e Valdir Rossoni.
Diz-se que até mesmo o candidato melhor se adaptado ao figurino de oposição, o ex-senador Osmar Dias – caso venha a significar vantagem superior ao projeto pessoal de Beto – não seria refratário a uma conjunção de forças que, lembremos, não funcionou em ocasiões passadas.
Qual o nome do entorno que tem a melhor condição de contar com o apoio do governador? Há uma conversa no ar indicando que esse apoio já está sacramentado com o secretário Ratinho Junior. Qual seria, nesse contexto, a reação do deputado Valdir Rossoni, que voltou à província para exercer, na chefia da Casa Civil e com a estrita confiança do governador, dada a sua proverbial falta de apetite para a resolução de questiúnculas, o papel de “capataz” das ações provavelmente erráticas que se aninham no próprio governo?
Um dado a mais nesse imbróglio é que não se pode menosprezar a força política da família Barros, mesmo com a perda da prefeitura de Maringá. Qual seria, então, a atitude do ministro e da vice-governadora, que até agora mostraram inteira disposição de ajudar o governador, na eventualidade da falta de um apoio vital para as pretensões da senhora Cida Borghetti?
No duro e interesseiro jogo da política, alguns comportamentos fogem ao entendimento do eleitor, que muitas vezes não encontra palavras para definir a estupefação diante dos fatos.
Exemplo concreto foi visto recentemente na disputa pela prefeitura de Curitiba, na qual o governo se dividiu pelo menos em duas frentes. Enquanto o governador (mesmo em silêncio) apoiava Greca, o secretário Ratinho Junior se declarava abertamente defensor da candidatura de Ney Leprevost, casualmente os dois candidatos que foram para o segundo turno.
Numa hipótese que berra a sua incongruência, para dizer pouco, após a proclamação do nome do vencedor, o gesto mais adequado para o perdedor seria o afastamento do governo sob a justificada alegação de incompatibilidade política. Contudo, a explicação fornecida pelo secretário à opinião pública sobre sua permanência no governo, foi um retrato sem retoques de uma prática política que não exige de ninguém a perda dos anéis e, muito menos, dos dedos.
É como se num concerto um dos músicos resolvesse tocar as notas de outra partitura, e mesmo assim trocasse fartos elogios com o maestro.
São vislumbres da cena paranaense, que às vésperas do cumprimento dos primeiros 20 anos do novo século, teima em fazer política como se vivesse nos tempos do cacique Tingui…