Rogério Distéfano
“VOSSA EXCELÊNCIA É UM GRANDE PURGANTE” – aparte da deputada Ivete Vargas (PTB, sobrinha de Getúlio, então presidente) a Carlos Lacerda, que desancava o governo da tribuna da câmara dos deputados. Lacerda responde: “Agradeço à nobre colega o elegante aparte e constrange-me dizer que se meu discurso é um purgante, o aparte de Vossa Excelência é o efeito”.
À medida que a república envelhece, piora a qualidade dos debates. Restou o vossa excelência, falso biombo da civilidade. Vejam a semana do Supremo – que a historiadora Ana Maria Burmester (UFPR/PR) chama de Ínfimo: o edificante bate-boca entre os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Um e outro se chamaram de incoerentes e exibidos – Gilmar para a imprensa e Lewandowski para o senado, na pedalada do impeachment de Dilma.
Na altercação refletem-se os humores de Brasília, instáveis no confronto de interesses nada republicanos. Gilmar pede vista de processo com decisão pronta, com isso levando às calendas a efetividade do julgamento; Lewandowski reprova o colega, que replica ao tocar-lhe o ponto sensível, o fracionamento do impeachment, acordo do então presidente do Supremo com Renan Calheiros, presidente do Senado, que antecipou três movimentos no tabuleiro da impunidade.
Se o juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dall’Agnol não sucumbirem ao ferrão da mosca azul, as prisões de ex-governadores, ex-deputados e ex-senadores (só os exes, os titulares deslizam nos escorregadios óleos do foro privilegiado), o Brasil abrirá suas vísceras. São tantos que fatalmente da faina do Lava Jato e congêneres sobrarão apenas o mau odor e o aspecto repugnante, nada para a iguaria cívica do saneamento da política.