Num dia que estava uma bagaça, como ela diz, a menina reclamou da vida. Achava que nada acontecia de bom porque nasceu num parto de cócoras e com o cordão umbilical enrolado no pescoço. A definição para isso era raivosa: “Fui cagada, quase morro enforcada e meu destino só podia ser uma merda”. Ela dizia que, pra completar, só faltava ser feia como a fome no escuro. O pai ouviu tudo e aproveitou para revelar que tinha sido parido num hospital cujo nome era da mulher de um dos maiores ladrões da história do país, aquele que dizia que roubava, mas fazia. E o velho, já caminhando para a fase das doenças, lamentava não ter pego o vírus da roubalheira, coisa que não aconteceu com um político que também nasceu lá na maternidade da primeira dama e ganhou fama ao ser preso depois de anos de poder. A menina riu. O pai também. Se despediram com as declarações de amor de sempre. Um oceano separava os dois.