Viu aquele filme argentino em que o Darín chega no limite máximo e explode o estacionamento para onde levaram o carro da filha. Relatos. Selvagens. Ficou pensando uns três segundos porque não suportava mais tanta bandalheira no país abençoado pelo capeta e feio que só a fome no escuro. Lia as notícias mais estapafúrdias dos senhores donos da engenhoca, saía para a rua e via as manadas ruminando e babando com o olhar perdido, como se tivessem acorrentadas pelo pescoço e obrigadas a trabalhar em troca de um pão dormido e um gole de água poluída para sustentar o gigante adormecido. A decisão, na verdade, já tinha tomado há muito tempo – desde que começou a colecionar navalhas estrangeiras e nacionais, novas e velhas, com lâminas lisas ou desenhadas. Os fios ele cuidava com carinho, todo dia, num daqueles instrumentos de couro que os barbeiros de antigamente usavam e que ficavam penduradas na cadeira de ferro com estofamento de couro. Começou a estudar os hábitos deles, os que faziam a injustiça. Muitos eram degenerados, que frequentavam prostíbulos e inferninhos da pior espécie. O primeiro que encarou gostava de “brincar” com crianças, que arrebanhava pagando para mães e pais mortos de fome. Parou na frente. O queixo empinado e a segurança do fulano era igual ao que via nas fotos de solenidades. Não falou nada. O doutor quis encrespar, ele mandou calar a boca. Fez isso porque sabia o que ouviria em seguida. Foi só o escroto acabar de dizer o “sabe com quem está falando” e o talho seccionou a carótida de uma maneira tão rápida que o poderoso quem nem sentiu. Caiu com a boca perto de um bueiro. A poça de sangue atraiu um cachorro sarnento. O animal só cheirou o líquido e foi embora. O primeiro nome da lista imensa foi riscado.