por Ivan Schmidt
Li e ouvi uma série infindável de argumentos sobre a eleição de Rafael Greca para a prefeitura de Curitiba, no domingo passado. Nenhum deles respondeu (no que me concerne) diretamente a pergunta: por que Rafael ganhou de Ney Leprevost?
Para começo de conversa, ambos os candidatos são originários do mesmo estrato de pensamento ideológico, ou seja, o centro-direita, se é que ainda se pode utilizar esses termos em pleno século 21, sob o risco de retroceder a uma escala de posicionamentos políticos tão antiga quanto a Revolução Francesa.
Assim, tanto fazia para a cidade de Curitiba se em lugar do engenheiro, o eleito tivesse sido o administrador de empresas diplomado por um curso à distância fincado nas lonjuras de Palmas, capital do Tocantins.
O especialista em pesquisas de opinião pública, Murilo Hidalgo, dono da Paraná Pesquisas, afirmou em programa de análise da eleição na Band na noite de domingo passado, que da mesma forma que Leprevost foi carregado por uma onda favorável no primeiro turno, suplantando Gustavo Fruet, o reverso veio no segundo turno e a vaga das últimas horas impulsionou a prancha de Rafael, que venceu por pouco menos de 60 mil votos, o que não é pouco em se tratando de disputa renhida como foi a de Curitiba.
A pesquisa Ibope/RPC do sábado anterior à eleição dava empate técnico entre Greca e Leprevost (51 a 49), mas a leitura da tendência da véspera não chegou a medir a realidade do impulso (a explicação é de Murilo Hidalgo) favorável a Greca no dia mesmo da eleição. A confirmação veio com a boca de urna e a liberação gradativa dos boletins de apuração do Tribunal Regional Eleitoral, nos quais Greca manteve a dianteira até que se contabilizasse o último voto.
Mas, que razões levaram o candidato do PMN à vitória? Creio que a maioria dos leitores está lembrada da eleição para o segundo mandato de Cássio Taniguchi, ocasião em que Ângelo Vanhoni disputou a prefeitura pelo PT e passou grande parte do segundo turno como líder das pesquisas, com a eleição praticamente assegurada.
Entretanto, sofreu derrota humilhante no dia da eleição, tendo em vista que um percentual de eleitores extremamente conservadores, de ânimo azedado pela probabilidade real de um petista ocupar a cadeira de prefeito (a meu ver eleitores que haviam votado em Forte Neto no primeiro turno), saiu de casa com a decisão inabalável de digitar o número do candidato lernista.
Sem fazer pouco caso da conclusão acaciana de que a vontade do eleitor mais uma vez se manifestou, dificilmente vou me convencer que o mesmo fenômeno não aconteceu na derrocada de Leprevost (ainda assim com excelente votação), confirmando a nostalgia e apego ao passado de parte saliente do eleitorado curitibano.
Suponho que a escolha final do eleitor não foi arbitrada pelo fato de um candidato ser melhor preparado que o outro. O que as urnas eletrônicas mostraram no dia 30, e essa realidade somente foi medida nas últimas horas antes da abertura das sessões eleitorais, é que em Curitiba ainda é resistente aos avanços inovadores e qualitativos na política, um contingente expressivo de eleitores dispostos a mudar conquanto tudo permaneça igual.
Em agressivo discurso midiático, Greca fez das tripas coração para convencer o eleitor de sua melhor qualificação ao se comparar com o oponente, que de fato nunca ocupou posto majoritário no executivo, e talvez por isso se apresentasse como o novo.
Nos últimos espaços do horário eleitoral, a equipe de marketing do engenheiro lançou mão da artilharia pesada para desconstruir (eta palavra morrinha!) a imagem de Leprevost (com sucesso), aliás, repetindo o que os marqueteiros de Taniguchi haviam feito com Vanhoni.
Na época, chegaram a obter sabe-se lá porque meios uma cópia da ficha funcional do petista enquanto funcionário do Banestado, na qual era acusado de agitador político, relapso e abstencionista, entre outras referências extremamente confidenciais, inundando a cidade com a reprodução da mesma. Apesar do grave crime político então cometido pela divulgação de dados que ninguém (a não ser o próprio interessado tem o direito de conhecer), os advogados do PT não deram um pio sobre o assunto.
Pode-se discutir, voltando ao que se afirmou acima, até mesmo a validade da assertiva antes de tudo fantasiosa da suposta qualificação superior de um indivíduo, para o exercício de determinada função.
Para além da licenciosidade publicitária (Omo lava mais branco), a suposta vantagem (caso fosse verdadeira) já poderia ter-se esfumado, pois afinal Rafael Greca foi prefeito de Curitiba há 20 anos, e a partir de então nunca mais esteve na chefia do executivo em lugar nenhum.
Nunca se viu uma grande empresa como a Ford, Coca Cola, Samsung, Volvo, ou coisa que o valha, trazer de volta para o cargo, 20 anos depois, um presidente que fez excelente trabalho duas ou três décadas antes. Puro papo de marqueteiro.
Portanto, Insisto na tese que se o engenheiro tivesse sido o Midas que sua propaganda afirmou que foi (nem Maluf fez mais), sua ciclópica visão estratégica teria deixado como herança um sólido planejamento urbanístico e de mobilidade – para dizer o mínimo — que 20 anos depois ainda serviria para livrar Curitiba dos achaques e gargalos de qualquer cidade que cresceu como cresceram todas as cidades importantes do país.
Assim, quero crer, mas posso estar redondamente enganado, que a eleição do “trêfego Rafael Greca”, para resgatar a expressão usada pelo saudoso Aramis Millarch sempre que citava em sua coluna a buliçosa figura, sequer pode ser protocolada como um capricho do Wutbürger “o cidadão raivoso”, conforme a invenção do jornalista alemão Dirk Kurbjuweit, da semanal Der Spiegel. A lembrança está no último artigo de Mario Vargas Llosa no El País, na edição de 31 de outubro.
Diz ele ter lido no New York Times (25.10) o artigo de Jochen Bittner, em que afirma “que a raiva que em certas circunstâncias mobiliza amplos setores de uma sociedade é um fenômeno com duas faces, uma positiva e uma negativa”.
Não foi absolutamente essa espécie de “raiva positiva” que levou a maioria do eleitorado curitibano a trazer Rafael de volta à prefeitura 20 anos depois. Vargas lembra as recentes manifestações de milhões de brasileiros contra a corrupção, da qual “se beneficiavam igualmente líderes da esquerda e da direita”, as prisões dos últimos meses e o sinal claro do anseio popular pela “regeneração profunda de uma democracia que a desonestidade e o espírito de lucro haviam infectado até chegar ao ponto de provocar uma bancarrota nacional”.
Afinal de contas nenhuma atitude ou gesto político de Greca o identificam como um legionário do combate à corrupção praticada por políticos e seus operadores. Na verdade, tampouco Leprevost dispunha de evidência concreta de algum protagonismo em torno das ações da Lava Jato, a não ser o comparecimento às convocações de massa em favor do impeachment, em meio a milhares de manifestantes.
A vontade da maioria se fez e Greca foi eleito. E daí? Em 20 anos a cidade sofreu severas mudanças, a maioria para pior. A população aumentou, assim como a quantidade de veículos que atravancam as ruas e avenidas. As ruas e calçadas estão em petição de miséria. O número de desempregados é algo que desafia a capacidade dos mais refinados gênios (e nenhum deles, me parece, está a serviço da prefeitura).
Sequer toque-se no tema insalubre das pessoas em situação de vulnerabilidade como os moradores de rua, drogados, prostitutas, pichadores e outros atores espontaneamente produzidos pela urbanização exacerbada.
O Conselheiro Acácio concorda que o novo prefeito terá de se virar, lembrando não sem certa maldade a previsão de Marx e Engels, que “tudo que é sólido se desmancha no ar”.