Por que aquele ônibus vazio sempre volta, para, abre a porta de trás e me faz entrar para uma longa viagem no fim de uma tarde? Aconteceu uma vez, faz muito tempo. Fui ver um filme qualquer na avenida movimentada, saí, contei os trocados no bolso, sentei numa pastelaria de china, pedi uma pizza brotinho, comi rápido, fui para o ponto, ele veio lá com a indicação da vila no letreiro, entrei, sentei no fundo – e nunca me senti tão triste e solitário como naquele percurso, enquanto as luzes iam se acendendo e eu me apagando mais. Ali cheguei à minha essência, de ser parido e largado sem proteção e afago, sem ver janelas, portas, caminhos, nada, apenas sentindo o peito apertado. Muita coisa mudou – mas mudou mesmo? De vez em quando vem o ônibus trazendo aquilo de volta, e eu já sou um velho que chutou portas, abriu caminhos, visitou o inferno e conhece o céu. Faço força para não entrar, mas entro. O trajeto às vezes é curto, nunca tão longo quanto o daquele dia, mas me pergunto se naquele dia eu desci mesmo no ponto inicial.