por Ruy Castro
Aconteceu há 2 milhões de anos, com alguns hominídeos — os parentes remotos do ser humano — que não tinham muito o que fazer. Um dia, eles começaram a bater pedras uma na outra. Com o choque, elas se quebravam e ficavam mais curtas e afiadas. Em poucos milhares de séculos, os mais espertos perceberam que aquelas pedras com gume podiam ser usadas para cortar alimentos, galhos de árvores, cipós. Mais alguns milênios e, para a transformação das lascas em machados e facas, foi um pulo. Daí à agricultura, à caça e à gastronomia, outro pulo.
Bem, já sabemos como essa história terminou. Eles se organizaram, derrotaram seus inimigos e dominaram o território. Não contentes, desenvolveram a fala, a escrita e a internet. E aprenderam a mentir. Uns pelos outros, o homem estava pronto. A princípio, nem ele sabia que mentia. Mas logo descobriu que, mesmo que suas palavras não tivessem a ver com a realidade, podia dizer o que quisesse porque seria levado a sério do mesmo jeito.
A ciência revelou esta semana que a mentira é progressiva. Quanto mais mentir, mais uma pessoa mentirá e induzirá outra a mentir, e essas mentiras serão cada vez maiores e mais aptas a convencer. Chegará a um ponto em que a mentira generalizada passará por ser a verdade, e, ironicamente, quem tentar denunciá-la é que será acusado de mentir. Talvez até levem essa acusação à ONU.
Tudo isso para dizer que, neste ano de 2016, famílias de macacos-pregos da serra da Capivara, no Piauí, têm sido observadas batendo pedras umas nas outras e usando as lascas para abrir coquinhos.
Já se pode prever o que sairá daí. Os macacos-pregos aprenderão a falar, a mentir, construirão um sistema inteiro de governo baseado na mentira e, no futuro, dá-lhe de apreensão de documentos e delações premiadas para desmontar esse aparato.
*Publicado na Folha de S.Paulo