Rogério Distéfano
BEM AVENTURADOS os de coração puro, porque verão a Deus. Não acredito na lição do evangelho de São Mateus. Duas razões: gente de coração puro, ou seja, ingênuo, inocente, de boa-fé, aceita qualquer coisa, principalmente as ruins; e porque não tenho coração puro. Ponto. Ou não tinha, sinto que estou a caminho de purificar o coração, agora que vejo o horizonte mais próximo. Senti ontem o primeiro sinal da pureza, sei que falta trecho a percorrer, mais longo que a estrada de Damasco.
A quem devo a iluminação, melhor, a luz bruxuleante do divino? Por favor, não riam. Devo a Rafael Greca e Ney Leprevost, os candidatos a prefeito de Curitiba, e a sarça ardente que me queimou ao ler suas entrevistas, ontem, no site Uol. Nunca acreditei em políticos, pior, sempre desconfiei deles. Para mim só estão abaixo de quem rouba criança em maternidade. Aplicava a eles o raciocínio dedutivo e definia o particular a partir do geral: se ninguém presta, nenhum presta.
Comecei a crer que não é bem assim. O Rafael de ontem era seguro, o sutil toque de arrogância e desdém pelo entrevistador, alguns vestígios dos olores de sacristia e do sovaco do padre que lhe aviava a hóstia. Ele é ele, ou Ele, deve nada a ninguém, nem a Lerner, nem a Richa. Só aos pais, à família bem situada, ao casamento ‘abonado’ – ponto que me ficou obscuro. Mínimas libras abaixo da superfície percebem-se marca e influência do último convívio: a autossuficiência de Roberto Requião.
Ney Leprevost, escrevi uma vez, é o moço com quem deixamos a filha de shortinho, camisa regata soltinha, descontrolada pela dopamina. Ainda que sob a tortura do desejo, ele devolve a garota intocada. Ganha mais no agradar o pai que no saciar a filha, a diferença entre curto e longo prazos. Parece o restaurante de frango a quilo, a gente escorrega na gordura do chão. Longe de Ney ser escorregadio. Suas intenções é que são untuosas. Rezo para estar errado, mas Rafael Greca começou assim.
Como sempre, li esta crônica para Renato Kanayama, injusta e vilmente escrachado em comentários neste blog. Quando Renato não fala do Direito, essa chatice, ele encanta pela cultura. Mais não disse, passou a odiar blogs, só puxou o Fernando Pessoa básico: “o poeta é um fingidor/finge tão completamente/ que chega a fingir que é dor/ a dor que deveras sente”. Simples, estou curado da bem-aventurança: Greca e Leprevost, de tanto mentir, acreditam nas próprias mentiras. Eles e os políticos em geral.