por José Maria Correia
À história é antiga, mas era uma das preferidas do saudoso cronista Malu, o grande Luis Alfredo Malucelli.
Em 1980 eu era, além de Delegado de Políci , diretor do Clube Curitibano, presidido pelo extraordinário Nicolau Abbage .
Um final de semana houve um grande baile no majestoso Salão Azul, lotado por cerca de mil sócios em trajes de gala.
Naquele dia eu estava chefiando uma grande operação policial e não pude comparecer como costumeiramente fazia , cumprindo o meu dever de diretor.
Pois bem, por volta de meia-noite, e em meio a um cerco de assaltantes, recebi um chamado urgente pelo rádio da viatura para entrar em contato com o clube e o presidente Nicolau.
Procurei um telefone público e fiz a ligação, pois celular ainda não havia sido inventado e só era conhecido nas tirinhas de quadrinhos do Dick Tracy .
Do outro lado da linha o Nicoloau pedia que eu fosse imediatamente ao clube.
Dito e feito, lá chegando toda a diretoria me aguardava alarmada na portaria, junto com os seguranças.
O incidente era grave. O baile era acompanhado de jantar e havia três opções de cardápios: peixe, massa ou carne, como se faz nessas ocasiões.
Até aí tudo bem. Os garçons organizadamente tiravam os pedidos escreviam nas comandas, iam até o balcão da cozinha, batiam uma sineta, gritavam o nome do prato (” Salta um mignon à cavalo”; Salta um linguado grelhado”, etc.)e entregavam o pedido.
Acontece que naquele dia faltaram duas cozinheiras e os pedidos começaram a se acumular no balcão – e os garçons, pressionados pelos sócios, passaram a tilintar a sineta como se fosse um despertador, causando tumulto.
O gigante Paulo, cozinheiro e chef de quem eu era cliente preferencial, foi ficando irritado, e um dos garçons, só de sacanagem, começou a zoar com a sineta, tilintando sem parar, até que o Paulo, temperamental como todo chef, perdeu o controle e explodiu.
Agarrou o garçom sacana pelo pescoço puxou para dentro do elegante balcão de mármore e encostou um enorme facão de corte de carne no pescoço do provocador .
Quando os auxiliares tentaram separar, o Paulo surtou e disse que o garçom só sairia dali em duas situações: ou sem o pescoço ou com a sineta enfiada no rabo (el usou outra palavra mais popular). Pelo sim e pelo não, o tempo esquentou, havia risco real e ninguém conseguia resolver a parada.
Como tenho imã para confusões e o corpo aberto sobrou para o beque. Fui cautelosamente até o balcão da cozinha e de longe vi o Paulo todo de branco berrando: ” Vou fazer picadinho desse pinguim f.d.p”
O garçom chorava e pedia desculpas. OIs colegas queriam invadir a cozinha mas tinham medo das consequências. Enquanto isso, nada era servido aos convidados.
Tumulto total.
Foi nesse imenso caos que fui recebido pelo grande cozinheiro Paulo com uma frase que para mim soou como uma declaração de respeito, identificação e solidariedade – e só pode ser compreendida sem ofensa por quem é ou foi do ramo e conhece o submundo.
Ao me reconhecer chegando da ronda ainda com o meu distintivo no peito, ele berrou, meio aliviado. com seu vozeirão :
– Aqui só pode entrar o Dr. Zé Maria. É o único que eu respeito. Cozinheiro, puta e polícia é tudo igual e o resto é um bando de filha da puta. “
Que fazer?, pensei comigo.
Sabendo interpretar não há ofensa.
Honny soit qui mal y pense !
O Paulo saiu abraçado comigo a caminho da casa e ainda exigiu me oferecer uma canja da madrugada no Bar do Luís, onde se reunia o pessoal da noite.
Quanto ao baile, trouxeram outro cozinheiro de emergência e ninguém soube do rolo.
No outro dia fui ao clube como de hábito e, ao me ver, o Nicolau foi logo dizendo, inspirado na frase do Paulo.
– Porra! Por que voceê demorou tanto ontem? Tava na zona ?
Bela história…fiz muitos bicos nos anos 70 no Clube Curitibano e Graciosa Contry Club, era lavador de copo, morava na Casa dos Estudantes junto com o ex-governador Orlando Pessuti! Depois fui trabalhar no Primeiro Tabelionato Giovaetti, mas mesmo assim fazia meus bicos pois tinha que ajudar meus pais ! Joao feio