por Elio Gaspari
O professor Rogério Cezar de Cerqueira Leite publicou um artigo na Folhacomparando o juiz Sergio Moro ao frade dominicano Girolamo Savonarola, que barbarizou a vida de Florença no final do século 15. Era uma época em que os pregadores tinham a popularidade dos roqueiros de hoje. Visionário, demagogo, moralista e ascético, Savonarola incendiou a cidade abatida por uma invasão estrangeira, pela fraqueza de sua elite, mais a peste, fome, misticismo e superstições.
Savonarola foi excomungado pelo papa Alexandre 6º (pai de pelo menos oito filhos) e, quando sua liderança popular enfraqueceu-se, acabou preso, torturado, enforcado e queimado. (Tempos depois apareceram flores no lugar do patíbulo. A retórica papista patrulhou a memória do frade com tamanha eficácia que a cidade de Florença levou quatrocentos anos para homenageá-lo com uma lápide no ponto da praça onde mataram-no.)
Cerqueira Leite concluiu seu artigo rogando uma praga: “Cuidado Moro, o destino dos moralistas fanáticos é a fogueira. Só vai vosmecê sobreviver enquanto Lula e o PT estiverem vivos e atuantes. Ou seja, enquanto você e seus promotores forem úteis para a elite política brasileira”.
Dias depois Moro respondeu ao professor com uma carta. Curta, dizia o seguinte:
“Lamentável que um respeitado jornal como a Folha conceda espaço para a publicação de artigo como o ‘Desvendando Moro’, e mais ainda surpreendente que o autor do artigo seja membro do Conselho Editorial da publicação. Sem qualquer base empírica, o autor desfila estereótipos e rancor contra os trabalhos judiciais na assim denominada Operação Lava Jato, realizando equiparações inapropriadas com fanático religioso e chegando a sugerir atos de violência contra o ora magistrado. […] Embora críticas a qualquer autoridade pública sejam bem-vindas e ainda que seja importante manter um ambiente pluralista, a publicação de opiniões panfletárias-partidárias e que veiculam somente preconceito e rancor, sem qualquer base factual, deveriam ser evitadas, ainda mais por jornais com a tradição e a história da Folha“.
Não foi uma carta, mas uma sentença. Moro tem todo o direito de achar que o professor atacou-o com “estereótipos e rancor”, mas foi com estereótipos e rancor que respondeu. Cerqueira Leite fez um paralelo histórico e Moro não discutiu uma só virgula do artigo. Lamentou que o jornal publique coisas desse tipo e, pior, que mantenha o professor no seu conselho editorial. Despediu-se ensinando: “A publicação de opiniões panfletárias-partidárias […] deveriam ser evitadas”. Como? Savonarola publicava seus sermões e queimava os dos outros.
Moro viu demônios quando disse que Cerqueira Leite chegou “a sugerir atos de violência contra o ora magistrado”. O papismo dizia que Savonarola era doido, mas o professor não sugeriu que se enforque o “ora” magistrado. Moro se queixa de que a comparação com Savonarola não teve “base empírica”. O que isso quer dizer, não se sabe.
O artigo de Cerqueira Leite foi mais uma opinião no grande debate aberto pela Operação Lava Jato. A contrariedade de Moro produziu uma surpresa: há algo de Savonarola no seu sistema.
CURITIBA
Condenado a 23 anos de prisão, o poderoso comissário José Dirceu teve mais um habeas corpus negado pelo ministro Teori Zavascki. Aos 70 anos, ele é um detento exemplar no presídio de Pinhais, no Paraná. Conformado, lê muito e recebe visitas semanais da mulher. Para quem viu o filme “Papillon”, com Steve McQueen, ele ficou parecido com o sereno falsário Dega, vivido por Dustin Hoffman.
*Publicado na Folha de S.Paulo
Papo furado do Élio. O colunista acusou o Moro de ser parcial a respeito do Lula e a resposta do juiz foi certeira. Tanto que o Élio evitou reproduzir no seu artigo.
Lula não é réu de opinião mas sim de corrupção.
Élio Gaspari, malandramente omitiu uma parte do texto do Moro:
“A essa altura, salvo por cegueira ideológica, parece claro que o objeto dos processos em curso consiste em crimes de corrupção e não de opinião.”
Parece pouco, mas não é.
Isto é vigarice.