por Elio Gaspari
Na noite de segunda-feira o governo conseguiu uma bonita “vitória maiúscula” na Câmara dos Deputados. Bonita, mas literária. A Constituição limitará as despesas públicas impondo um teto ao governo federal.
Ainda na fase da negociação, estabeleceu-se que nas áreas da saúde e da educação o limite só vigorará a partir de 2018. Pode ter sido uma boa ideia, mas foi um mau começo.
Em tese, o paraíso da racionalidade deverá durar 20 anos. Ganha um convite para o próximo jantar de deputados no Alvorada quem tiver a menor ideia do estado das contas públicas em 2036.
A Lei da Responsabilidade Fiscal é de 2000. Em apenas 15 anos desgraçaram-se orçamentos e pedalaram-se despesas de tal forma que o país está quebrado. No governo, como numa padaria, cortam-se despesas passando-se a faca em números. Desde o dia em que assumiu a Presidência, Temer oferece uma sensação de que, com ele, as coisas pararão de piorar. Já seria alguma coisa, mas daí a melhorarem, vai uma enorme distância. O futuro a Deus pertence, mas o passado está aí, disponível.
Recuando-se 20 anos cai-se no ano da graça de 1996. Empresários, áulicos e parlamentares achavam que o instituto da reeleição de presidentes, governadores e prefeitos seria um bom negócio para o país. Em 1996 Fernando Henrique Cardoso batalhava pela reforma da Previdência que defendera durante a campanha eleitoral de 1994. Teve uma vitória na Câmara, festejou o placar de 352 a 134, mas houve mais teatro do que reforma.
O último negociador do projeto do governo foi o deputado Michel Temer. Ajudou bastante, mas FHC ditou para seu gravador: “Vale a pena registrar [que] na última hora o Michel Temer mudou coisas muito importantes que havia combinado conosco, tornando a reforma previdenciária muito pouco eficaz para o combate a uma porção de abusos.” À época, Temer conseguiu aquilo que era possível nas negociações com o Congresso. Passaram-se 20 anos, FHC tornou-se um Pai da Pátria e a batata quente está no colo de Temer.
A reforma da Previdência é necessária e chega a ser consensual a necessidade da elevação da idade mínima para o acesso à aposentadoria, mas o demônio está nos detalhes e o governo ainda não mostrou suas cartas. Nas que mostrou, fabrica exceções.
Seis Estados (RJ, RS, MG, BA, SE, RO) e Brasília estão sem caixa para pagar o 13º de seus servidores. Os responsáveis por essa ruína não foram os aposentados do andar de baixo, aqueles que recebem até dois salários mínimos. De onde sairá o socorro, não se sabe. Pelo andar da carruagem, a lei de renegociação das dívidas dos Estados será renegociada antes de ter sido aprovada.
O governo federal vem se mostrando bonzinho no pantanoso terreno da privataria. Há aeroportos e rodovias que não conseguem pagar à Viúva os aluguéis das concessões que contrataram. Coisa de R$ 2,3 bilhões em contas atrasadas.
Assim como os governadores e prefeitos caloteiros ganharam um refresco, os empresários já conseguiram um mimo, espichando suas dívidas para dezembro. Querem mais e receberão mais.
Para que a PEC dos gastos públicos seja eficaz, ela precisa ter dentes afiados e disposição de morder, preferencialmente para cima.
*Publicado na Folha de S.Paulo