por Ruy Castro
Ary Barroso, autor de “Aquarela do Brasil” e maior compositor brasileiro de seu tempo, foi candidato a vereador nas eleições de 1954 no antigo Distrito Federal, leia-se Rio. Por ser Ary Barroso, tinha acesso a todos os locutores, microfones e alto-falantes que quisesse. Com isso, armou uma caravana de carros de som que saía a todo volume pela cidade, exortando o povo a votar nele.
Certo domingo, às 8h, a caravana tomou de assalto a lagoa Rodrigo de Freitas e a rua Jardim Botânico, enchendo os ares com a conclamação, “Vote em Ary Barroso! A-ry!! A-ry Bar-ro-so!!!”, acordando todo mundo. De repente, sai pelo portão do Jockey um homenzinho desesperado. Identifica Ary no carro da frente e diz, quase chorando: “Seu Ary, nós prometemos votar no senhor. Mas, pelo amor de Deus, desligue essa barulheira! O Gualicho precisa dormir! Ele vai correr hoje no Grande Prêmio Brasil!”.
Gualicho era o grande cavalo da época, favorito disparado do Sweepstake, todo mundo estava apostando nele. Ary, tibiamente, pediu desculpas, mandou o pessoal silenciar e foi fazer barulho em outra freguesia.
Hoje, nas grandes cidades, não temos mais isto. As campanhas se dão num silêncio de fazer inveja a certos túmulos. O apelo dos candidatos acontece pelo rádio e pela televisão, que podem ser desligados assim que eles entram no ar, e pelas redes sociais, das quais muita gente passa olimpicamente ao largo — eu, por exemplo. Outra refrescante novidade é a proibição de cartazes, faixas e galhardetes – que, rotos e desbotados, continuavam emporcalhando a cidade muito depois da eleição. Os candidatos, hoje, podem não ser grande coisa, mas as eleições melhoraram.
Ah, sim, 1954. Gualicho entrou na pista bocejando, de olheiras, e perdeu a corrida. Em compensação, o querido Ary também não foi eleito.
*Publicado na Folha de S.Paulo