… o que nos falta é o que chamaria de “espanto político”. Aqui, as coisas espantosas deixaram de espantar. Se um camelô brotasse de uma alucinação, invadisse a vida real e berrasse a “Nova Prostituição do Brasil” – ninguém cairia, ferido de assombro.
Vejamos outra hipótese. Se baixassem um decreto mandando a gente andar de quatro – qual seria a nossa reação? Nenhuma. Exatamente: – nenhuma. E ninguém se lembraria de perguntar, simplesmente perguntar: – “Por que andar de quatro?” Muito pelo contrário. Cada um trataria de espichar as orelhas, de alongar a cauda e ferrar o sapato. No primeiro desfile cívico, o brasileiro estaria trotando na Presidente Vargas, solidamente montado por um dragão de Pedro Américo. E seria linda uma Nação a modular sentidos relinchos e a escoicear em todas as direções.
Em 2020, estamos chegando à realidade vislumbrada por Nelson Rodriguem em 1967.
“…basta uma ordem e um tumultuoso fluxo de veículos que, num vasto país, seguia à esquerda se transfere para a direita. Basta uma ordem e um povo inteiro abandona os campos, as fábricas, os escritórios, para afluir às casernas. ‘Uma tal subordinação, disse Necker[1], deve encher de espanto os homens capazes de reflexão. A obediência da grande maioria a uma pequena minoria é uma ação singular, uma ideia quase misteriosa’ …”
O Poder – Bertrand de Jouvenel
[1] Jacques Necker