por Bernardo Mello Franco
A prisão de Guido Mantega deu nova munição a quem aponta excessos na Lava Jato. O ex-ministro foi capturado num hospital, onde esperava a mulher se submeter a uma cirurgia. Se havia alguma dúvida de que a operação deu um passo em falso, ela foi eliminada pelo próprio Sergio Moro. No início da tarde, o juiz revogou a decisão cumprida cinco horas antes pela PF.
No pedido de prisão, a força-tarefa alegou que Mantega representava risco à “garantia da ordem pública”. Os procuradores também disseram que ele ameaçava a “estabilidade econômica”, “mediante a perturbação na circulação livre de bens no mercado”, e poderia combinar versões ou destruir provas do processo.
Pela jurisprudência respeitada no país até a Lava Jato, todo acusado tinha direito a se defender em liberdade. A prisão cautelar, sem julgamento, só deveria ser autorizada em caso de necessidade. Mantega tem endereço conhecido, e o Ministério Público não apontou nenhum indício de que ele planejava destruir provas ou fugir da Justiça. O argumento de ameaça à ordem econômica também não para em pé. O ex-ministro deixou o governo há quase dois anos, e seu partido está na oposição desde abril.
Uma operação capaz de rastrear contas secretas no exterior deveria saber que seu alvo da vez estaria num hospital. Ao revogar a prisão, Moro disse que a situação era “desconhecida” das autoridades. Pode ser verdade, mas não é boa propaganda para a Lava Jato, que afirma não ter viés político e se esforça para projetar uma aura de infalibilidade.
O prende-solta acabou tirando o foco do teor das suspeitas, que são graves e devem ser apuradas com rigor. Numa espécie de delação preventiva, o empresário Eike Batista disse que Mantega lhe pediu R$ 5 milhões para pagar dívidas de campanha do PT. O dinheiro teria sido repassado no exterior, o que reforça o peso da acusação. Se não fosse a batida no hospital, o ex-ministro seria o único com explicações a dar.
*Publicado na Folha de S.Paulo