por Clovis Rossi
Dizem que lobo velho perde o pelo mas não perde a manha. Pois o Luiz Inácio Lula da Silva que se apresentou na quinta-feira (15) aos seus fiéis desmentiu o ditado.
Claro que foi um espetáculo, como quase sempre ocorre quando oferecem a Lula um palco. Mas pelo menos uma parte do espetáculo foi deplorável e revela que o ex-presidente perdeu a manha.
Não vou falar das acusações a ele e de sua resposta a elas. Sobre essa parte, remeto ao texto sempre brilhante de Marcelo Coelho.
O trecho que revela absurda falta de sintonia de Lula com a realidade é aquele em que diz que “a profissão mais honesta é a do político. Porque todo ano, por mais ladrão que ele seja, ele tem de ir pra rua encarar o povo e pedir voto”.
Primeiro, política não é profissão. É (ou deveria ser) serviço público, com perdão por soltar essa tremenda ingenuidade nos tempos que correm.
Segundo, há uma contradição entre afirmar a honestidade de todo político e, em seguida, dizer “por mais ladrão que ele seja”. Ou é honesto ou é ladrão, não há meio termo possível.
Terceiro, o fato de ter que ir para a rua e encarar o povo não é demonstração de honestidade.
Há uma penca impressionante de políticos que encararam o povo para se eleger e, não obstante, estão presos ou processados por desonestidade, como sabe todo o mundo, menos Lula, aparentemente.
O que é incrível é que o ex-presidente solte essas asneiras dias após a Câmara de Deputados ter cassado o mandato de Eduardo Cunha, uma espécie de príncipe nessa profissão tão honrada segundo Lula.
Não foi esse mesmo Lula quem disse, não faz tanto tempo assim, que o Congresso Nacional era formado por “300 picaretas”? Todos eles haviam encarado o povo para se eleger.
Não é à toa, pois, que Lula se autodefina como “metamorfose ambulante”. Depois de eleito, ele governou de braço dado com muitos dos que, antes, ele definira como “picaretas”.
Para explicar sua tese sobre a santidade dos políticos, Lula atacou quem faz concurso público, esse cidadão que “se forma na universidade, faz o concurso e tá com o emprego garantido pro resto da vida”.
Comparação absolutamente sem sentido, para não dizer coisa pior. Fazer concurso público e ser aprovado qualifica quem o faz, em vez de torná-lo desonesto, como pretende Lula. O pior de tudo é que as considerações do ex-presidente sobre os políticos aparecem no momento em que, no mundo inteiro, há um repúdio maciço a eles.
É óbvio que toda generalização é injusta. Nem todo político é ladrão, coisa que escrevo faz anos e sempre provoca rechaço entre parte do leitorado. Mas a injustiça da generalização é culpa exclusiva dos próprios políticos, cujas ações ou omissões continuadas levaram a esse sentimento.
Se todos os políticos fossem honestos, não teria havido, em 2013, um movimento de protesto cuja essência era o “fora, todos”. Tudo somado, tem-se que Lula parece ter se instalado em uma bolha em que seus problemas pessoais levam a raciocínios sem pé nem cabeça.
*Publicado na Folha de S.Paulo