por Elio Gaspari
Empossado na Presidência da República, Michel Temer apareceu duas vezes aos brasileiros. Numa primeira fala, gravada no Jaburu e transmitida à noite, prometeu “um país reconciliado, pacificado”. Na segunda, durante uma reunião do ministério, era outra pessoa: “Agora nós não vamos levar ofensas para casa”. Não se tratava de responder apenas aos que o insultam chamando-o de “golpista”. Diante da divisão de sua base de apoio, que preservou os direitos políticos de Dilma Rousseff, soltou-se: “Se é governo, tem que ser governo. É [uma] divisão, também inadmissível. […] O que não dá é para aliados nossos se manifestarem lá, no plenário, sem ter uma combinação conosco”. No dia seguinte, o “inadmissível” virou um “pequeno embaraço”.
Pela clave do “inadmissível” ele não pacificará nem a bancada governista, cujos usos e costumes conhece como ninguém. A ideia de que o Planalto manda e o Congresso obedece destruiu Dilma Rousseff e Fernando Collor. Temer pode acreditar até em disco voador, mas não acredita nesse tipo de ordem unida.
Na simultaneidade e no antagonismo das duas falas expôs-se de forma surpreendente a opção preferencial do atual presidente pela ambiguidade. Não foi ele quem divulgou o teor da carta que enviou a Dilma Rousseff no ano passado. Vá lá. O áudio em que se apresentou como pretendente à “reunificação do país” teria sido conhecido por “acidente”. Essa já é mais difícil.
Instalado no Planalto, Temer ofereceu ajuste fiscal e contenção de despesas. Aliviou dívidas de Estados que descumpriram contratos e abençoou um aumento salarial do ministros do Supremo Tribunal Federal, com seu efeito-cascata. Temer quer sanear as finanças, e no Brasil de hoje só um doido acha que as contas públicas podem continuar como estão. Mas, durante seu breve governo, o demônio sempre esteve nos detalhes, e ganhou todas. As mudanças na legislação que regula obras e concessão públicas e levadas para a cozinha do Palácio saíram das despensas das empreiteiras.
Temer deu 31 anos de fidelidade política ao PMDB, mas ganha uma viagem ao Quênia quem souber o que isso significa. É certo, porém, que sempre evitou bolas divididas. Seu temperamento reservado abriga uma personalidade enigmática. Move as mãos, mas não mexe os músculos do rosto nem altera a voz. De certa maneira, lembra Alec Guinness no papel do príncipe beduíno Faisal, do filme “Lawrence da Arábia”. Numa interpretação magistral, Sir Alec falava só com os olhos. Temer, nem isso.
Itamar Franco só achou um rumo quando chamou Fernando Henrique Cardoso para o Ministério da Fazenda, José Sarney só conseguiu isso quando, abatido, recolheu-se à ilha do Curupu. A direção de Temer é uma incógnita. Mesmo que suas palavras tivessem o dom de gerar realidade, os dois discursos do dia de sua posse mostram que aquilo que parece ser um enigma é apenas um enigma.
*Publicado na Folha de S.Paulo
O presidente falou em dilmês para chines ouvir. Se o presidente tivesse falado em português com certeza a tradutora traduziria, mas como falou neste idioma totalmente novo ela não entendeu e nada e não traduziu nada.