18:45Se ‘conjunto da obra’ tirou Dilma, Maduro merece mais a defenestração

por Clóvis Rossi

Guardadas as devidas proporções, as manifestações de quinta-feira (1º) na Venezuela pró e contra o governo de Nicolás Maduro lembram as que ocorreram no Brasil a favor e contra o impeachment de Dilma Rousseff: a grande maioria, cá como lá, era contra o governo.

As semelhanças param aí. No Brasil, o governo do PT, tantas vezes equiparado ao bolivarianismo, não mexeu um dedo para dificultar a mobilização pró-impeachment.

Na Venezuela, ao contrário, o governo foi ao extremo, ridículo e autoritário ao mesmo tempo, de proibir até o desembarque de ao menos sete jornalistas estrangeiros, como se possível esconder do mundo o tamanho da massa que participou da chamada “Toma de Caracas”.

Exatamente pela truculência do governo venezuelano, é pouco razoável esperar que as marchas contribuam na Venezuela para o desenlace aqui ocorrido, ou seja, o afastamento do presidente de turno.

Se, no Brasil, há uma viva polêmica sobre a legitimidade do impeachment, na Venezuela, ao contrário, o chamado referendo revogatório –cuja realização ainda este ano era o grande objetivo da manifestação– não só está previsto na Constituição como é uma iniciativa do guru do regime, Hugo Chávez.

Dizia ele, sabiamente: “Passada a metade do mandato sempre me pareceu que o povo deve submeter seus governantes a uma avaliação. Três anos é tempo mais que suficiente para que um povo saiba se esse representante está cumprindo [seu papel] ou se lhe deu as costas”.

É nessa situação, exatamente, em que está a Venezuela: Maduro foi eleito em abril de 2013, está prestes a cumprir três anos de mandato e, claramente, fracassou.

A Venezuela enfrenta uma recessão brutal, que faz a do Brasil parecer suave; tem uma inflação recorde mundial; falta tudo nos comércios, a ponto de os venezuelanos invadirem, sempre que podem, pobres cidades fronteiriças do Brasil e da Colômbia, como se fossem Miamis, paraísos de consumo.

Sem falar no segundo índice de assassinatos por 100 mil habitantes, atrás apenas de Honduras.

Se o “conjunto da obra” acabou sendo o real motivo para decapitar Dilma, Maduro merece muito mais a defenestração.

Mas, ao contrário da então mandatária brasileira, que seguiu as regras do jogo, Maduro transformou seu país em uma “democracia autoritária”, para usar expressão do chanceler Rodolfo Nin Novoa, do Uruguai, último país do Mercosul que ainda não ataca a Venezuela.

Seu antecessor no cargo, o hoje secretário-geral da OEA, Luis Almagro, proclama “o fim da democracia” na Venezuela e classifica o governo como tirania.

Detalhe relevante: Almagro foi chanceler com José Mujica, ícone da esquerda, e não pode, portanto, ser chamado de títere do imperialismo, como Maduro faz com todos os que o criticam.

Nesse contexto, e já que a Venezuela se meteu em assuntos internos brasileiros ao considerar ilegítima decisão soberana do Congresso Nacional, é hora de o Brasil reagir e pôr pressão para tentar salvar a Venezuela de um fracasso que, com Maduro, só se acentuará.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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