7:31Uma corte de surpresas velhacas

por Célio Heitor Guimarães

Celso Nascimento, em sua excelente coluna na Gazeta, descobriu que “a toga não esconde a existência de divergências internas no Tribunal de Justiça (TJ) do Paraná”. Mas esconde outras “virtudes”, grande Celso. Como a incompetência, a maldade e a injustiça. Quer um exemplo?

Ronald sempre foi um excelente funcionário. Desses que orgulham o serviço público e desmentem a perversa convicção geral de que a administração pública abriga apenas privilegiados incompetentes, apadrinhados sem nenhum talento e vagabundos de todos os matizes.

Funcionário concursado, bacharel em Direito e com longa folha de serviços à Secretaria do Tribunal de Justiça, Ronald supervisionava, havia mais de dez anos, com zelo e eficiência, o Centro de Apoio ao Fundo de Reequipamento do Poder Judiciário – Funrejus, ao qual está afeto também um fundo judiciário destinado à construção do Centro Judiciário de Curitiba. Depositado na Caixa Econômica Federal, esse último fundo é gerido pela instituição por força de contrato firmado com o TJ/PR.

No início do corrente ano, Ronald constatou que a CEF deixara de reaplicar o valor existente no fundo judiciário no mercado financeiro, sob a desculpa de não haver sido solicitada a tanto, esquecendo-se que tais reaplicações sempre foram obrigação automática da própria entidade por determinação contratual.

Desse ocorrido, Ronald alertou a instituição financeira e, cumprindo dever funcional, deu ciência à presidência do egrégio TJ, a fim de que providências oficiais pudessem ser tomadas para a correção do erro.

Primeira surpresa: Por determinação presidencial, Ronald foi afastado da chefia, perdeu parte da remuneração e teve instaurado contra si processo disciplinar. Pela primeira vez um servidor é punido antecipadamente e passa a ser objeto de processo por haver cumprido rigorosamente o seu dever!!!

Ronald, claro, foi obrigado a “defender-se”. Disse de sua estupefação e de seu constrangimento, inclusive por haver sido suprimida pela administração a etapa da sindicância investigativa, além de o ato instaurador do processo não haver sequer descrito a falta disciplinar que lhe estava sendo imputada. Aduziu que a aplicação ou reaplicação dos ativos do fundo era competência exclusiva do seu Conselho Diretor, e que nenhuma ingerência tinha ou podia ter ele nesse sentido. Concluiu pedindo o arquivamento liminar do processo.

Mais – e de importância fundamental: a essa altura, a Superintendência Regional de Curitiba da CEF já reconhecera a falha e já cuidara da recomposição integral dos rendimentos do fundo financeiro.

Em razão disso, a Comissão de Processo Disciplinar concluiu pela inexistência de infração disciplinar por parte do servidor e pela perda de objeto do procedimento administrativo, propondo o seu arquivamento.

Encaminhado à elevada apreciação do diretor-geral da Secretaria do TJ – que, ao que parece, ganhou competência para tal –, este, a princípio, perdeu-se em considerações doutrinárias e jurisprudenciais sobre a desnecessidade da utilização da sindicância investigativa preliminar. A seguir, cumpriu ordens superiores.

E aí vem a segunda surpresa: O notável diretor-geral do TJ/PR sustentou que “a autoridade julgadora não está vinculada à motivação e à conclusão do relatório da Comissão Disciplinar e poderá julgar diversamente da proposta…” (!) [Para que diabo serve, então, a Comissão Disciplinar?!!!]

A seguir, “prefacialmente”, registrou que “a circunstância de a Caixa Econômica Federal ter realizado a recomposição dos valores devidos ao Tribunal de Justiça não tem o condão de anistiar o servidor das infrações disciplinares a ele imputadas, na medida em que a violação funcional consiste em proceder de forma desidiosa no desempenho das atribuições funcionais, além de inobservar dever funcional previsto em lei…” (!) Seria cômico, se não fosse trágico. Que infrações?! “Inobservar dever funcional”?! Com efeito!!!

Então surge a terceira surpresa: O rigoroso e obediente diretor da Secretaria do TJ/PR reconheceu expressamente não competir ao servidor processado determinar a reaplicação dos recursos; certificou não existir antecedentes funcionais negativos na ficha do indiciado; e, sobretudo, consignou não ser viável, diante do quadro probatório, concluir que houve omissão dolosa, representada por comportamento desidioso por parte do servidor. Não obstante, decidiu aplicar a Ronald a pena de advertência, pouco importando que essa decisão agrida o conjunto normativo vigente, o trabalho da Comissão Disciplinar do próprio TJ e o bom-senso. E a isso chama fazer justiça!…

Não sei o que Ronald fará, meu prezado Celso Nascimento. Eu, se ainda estivesse na Secretaria do TJ – e graças a Deus não estou! –, onde passei 35 anos da minha vida, com dedicação, trabalho e dignidade, e se fosse o indiciado, não teria dúvida: além de exigir a imediata reconsideração da infeliz e estapafúrdia decisão e uma retratação pública das autoridades envolvidas, representaria contra o ínclito presidente do TJ/PR e seu oficial-de-ordem, o minúsculo diretor-geral, por arbitrariedade, abuso de poder e danos morais. Aqui nesta comarca, nas instâncias superiores e no Conselho Nacional de Justiça, se necessário fosse.

Registre-se nos anais do Judiciário paranaense e dê-se a público o ocorrido.

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