por José Maria Correia
Sofro uma das minhas crises sazonais de imbecilidade.
Aliás, merecida. Há quem diga que li em toda minha vida seis livros apenas.
Não estou sozinho .
Maldosos, poderia aceitar se não tivesse gasto uma parte de meus olhos em bibliotecas e nas madrugadas.
O restante queimei no Cine Curitiba da Voluntários da Pátria nas sessões corridas.
Tarzan, O Monstro da Lagoa Negra, O Gordo e o Magro, Durango Kid e Fumanchu.
À esses pernósticos que se dizem letrados prefiro a companhia dos meus cães e gatos, recolhidos das ruas, como Alexandre Dumas dizia, não sei se Dumas pai ou filho, pouco importa que me corrijam.
Bípede implume, sirvo apenas à minha subsistência, nesta idade pouco útil, já que cumpridas estão minhas tarefas biológicas de reprodução da espécie.
Felizmente há muito desenvolvi auto-critica e aprendi a me conhecer e a meus vastos limites.
Assim encontro consolo em ler e deplorar os meus contemporâneos que se julgam gênios, pelo sarcasmo ou pela ilusão de que brilham.
Vivo em uma cidade de autofágicos e me basto ao me expressar como um desabafo quando acolhido pelo indulgente Zé Beto.
Um dia uma estagiária indagou ao velho Mario Quintana em Porto Alegre por que ele escrevia .
Mário já sem paciência respondeu-” pelo mesmo motivo porque você vai ao banheiro esvaziar seu intestino e satisfazer suas necessidades minha filha”
Sou assim, escrevo porque as palavras me perseguem e querem sair de mim, pelo mesmo motivo que o meu xará Zé da Biblia grita e prega nas ruas de Curitiba.
Uma espécie de Katharsis grega (é assim que se escreve ?). Não irei ao Google.
Ainda me sobram os cinemas onde me refugio na penumbra das salas como em um imenso útero materno.
O resto são os seis livros , os de Cervantes, os de Cardenal , de Dario, Done e os milhares que doei – e claro a motocicleta vencendo as montanhas em busca do mar, do passado e da utopia.
O país agoniza entre hipocrisias , roubalheiras, conchavos e apodrece em Brasília.
Renato Russo, que cresceu no planalto, dizia que a capital era uma cidade maldita que enterrara os candangos no concreto das pirâmides de Niemeyer.
Não sei. Talvez seja verdade. tenho tudo para acreditar, pois nada de bom vem de lá. Nem mais espero .
Ah ,esqueci dos sebos, das biografias e poesias de que ainda sei um pouco.
Uma vez na Ilha de Soletiname estava em uma turma de literatos com o poeta Ernesto Cardenal e perguntaram a cada um de que poesia gostavam mais. Na minha vez citei La Noche de Los Yaruros. Riram e disseram para mim,o brasileiro ignorante, que essa não era dele.
O velhinho de boina e barbas brancas corrigiuu e disse: “Lo brasilēno es lo único que la conoce , en Nica no está publicada todavia .”
Aproveitei e me exibi um pouco declamando a primeira estrofe :
” Sem mais pertences que os que cabem em uma canoa andavam errantes nos rios Canaparo e Cinaruco, afluentes do Orinoco.
Recolhendo sua alimentação diária e pensando na vida bem aventurada que os esperava depois desta na ditosa terra de Kuma.
Dormiam enterrados na areia e a areia era a única proteção que tinham contra os mosquitos e o frio. ”
Depois saí com minha amiga Bianca Jagger e emprestei para ela Los Quatro Cabalheros del Apocalypse de Dominique Lapierre.
Acho que foi em 1985 , em outra vida , ” en el mar de Las Antillas que otros Caribe llaman” ou em Centro America.
Que importa isso além de reminiscências , delírios, miragens.
Vidas vividas.
Questa vita maledetta como dizem os italianos , questa vitacha .
Cá estou agora a me magnetizar nas pirâmides do México.
Jose Maria
Gostei muito do que escreveu, talvez tenhamos nos encontrado no Cine Curitiba, Maraba, Odeon etc. também era viciado nos seriados e outros filmes da época. Chequei a falsificar minha carteira de estudante para assistir filmes de sexo no Cine Curitiba proibido para menores de 18 anos, hoje as novelas da globo transmitem as mesmas cenas sem censura. Parabéns pelo que escreveu, penso igual a você, acho que cumpri minha missão aqui na terra e hoje me dedico sómente a familia.
Um grande abraço
Rubens
Como disse o grande tribuno Renan ao estadista Michel, “tamo junto!”. Seu texto é uma rara preciosidade, digna deste feudo encantado no nosso Zé Beto. Um abraço do leitor e admirador.