9:47Gosto pelo monólogo levou Dilma ao ponto onde está

por Elio Gaspari

Dilma Rousseff leu sua carta ao povo diante de jornalistas, mas não aceitou perguntas. Ela gostaria de ir ao Senado para apresentar a sua defesa, mas não quer perguntas. Foi esse gosto pelo monólogo que a levou ao ponto onde está. Mesmo assim, há monólogos que ilustram. Esse não foi a caso da carta lida nesta terça (16).

Quando a senhora e o PT não sabiam o que fazer, propunham um pacto. Assim foi em 2013, quando os brasileiros foram para rua. Ela ofereceu cinco pactos e mudou de assunto semanas depois. Ontem, novamente, ofereceu um “pacto pela unidade, pelo desenvolvimento e pela justiça”. Quando pactos não rendem, surge a carta do plebiscito, e Dilma voltou a tirá-la da manga. Sugeriu a realização de um plebiscito “sobre a realização antecipada de eleições, bem como sobre a reforma política e eleitoral”.

A reforma política é necessária e não precisa de plebiscito, mas é o caso de se lembrar que tipo de reforma era defendida pelo seu partido. O PT queria, e quase conseguiu, a instituição do voto de lista. Ela confiscaria o direito do eleitor de votar no candidato de sua escolha. Esse poder iria sobretudo para as direções partidárias. (O PT teve dois ex-presidentes e três ex-tesoureiros encarcerados.)

Dilma e o PT revelaram-se intelectualmente exaustos. Tiveram em Eduardo Cunha um aliado, um cúmplice e, finalmente, um inimigo. Nem ela nem o PT conseguiram dar apoio à Operação Lava Jato. Ambos foram ostensivos críticos do instituto da colaboração premiada. Sem ela, a Lava Jato estaria no ralo.

A um passo das cenas finais de sua carreira política, a presidente diz platitudes como esta: “É fundamental a continuidade da luta contra a corrupção. Este é um compromisso inegociável. Não aceitaremos qualquer pacto em favor da impunidade”.

A presidente arruinou a economia do país pulando do galho das “campeãs nacionais” para as “mãos de tesoura” de Joaquim Levy, e dele para o breve mandarinato de Nelson Barbosa. Teve em Michel Temer um parceiro de chapa, um articulador político, e finalmente, um inimigo a quem chama de usurpador.

Num episódio raro, a carta de Dilma se parece mais com o programa de um governo que, tendo existido, deixou de existir, mas persiste, vagando tal qual alma penada.

Sua carta aos senadores poderia ter sido diferente na extensão e no conteúdo. Por decisão dela e de seu bunker do Palácio do Planalto, foi um documento empolado no estilo e catastrófico na essência. Ele não seria capaz de mudar votos no plenário do Senado, que baixará a lâmina sobre seu mandato. Poderia ter motivado pessoas que aceitam parte de seus argumentos contra o processo de impeachment. Se ele não tiver esse efeito, isso refletirá a exaustão política do petismo e do dilmismo (se é que isso existe).

A presidente afastada vive seus últimos dias de poder na redoma do Alvorada, transformado em magnífico calabouço. Lá espera o automóvel que a conduzirá ao aeroporto. Poderia ter sido diferente, se ela e o PT tivessem entendido que estar no poder não significa poder fazer o que se queira. Algum dia essa ficha haverá de cair.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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