12:16Somos todos vítimas e testemunhas de abusos de autoridade

por Janio de Freitas

A oposição de juízes e procuradores ao projeto contra abuso de autoridade, em tramitação no Senado, pode estar certa no varejo de alguns artigos, mas não no atacado da proposta toda. O equívoco se inicia já pela ideia de que o projeto é contra os juízes e procuradores, esquecendo que polícias e outros setores que falam pelo Estado são focos permanentes de abuso de autoridade.

É inegável que o projeto foi sugerido pela insegurança que a Lava Jato difunde entre políticos. Daí a deduzir que a sua finalidade é impedir o combate à corrupção, como dizem Sérgio Moro e seu grupo de procuradores, falta muito.

O abuso, seja do que for, nunca é abuso na visão de quem o pratica. Sérgio Moro considera perfeita a retenção de um suspeito na cadeia até que, moral e psicologicamente destroçado, se ajoelhe à delação premiada. Sem que com ela venha certeza alguma da veracidade e dos propósitos de delações acusatórias.O projeto e as emendas possíveis estão sujeitos a erros, e isso fica evidente já na autoria: Renan Calheiros, carregado de situações negativas na Justiça, só por assinar o projeto já o põe sob suspeições. Somos todos, no entanto, vítimas e testemunhas de abusos de autoridade. Variados na forma e na gravidade. Persistentes e apenas por exceção punidos ou extintos. Se há oportunidade de prevenir alguns deles, o que convém é discutir as maneiras de fazê-lo. Isso, os que se sentem visados não fizeram.

Se invocada a utilidade da delação para direcionar investigações, verdade maior é que incriminações e prisões valem-se, com frequência, apenas do dito por delatores. É o que ocorre, por exemplo, com a delação feita por Delcídio Amaral já depois que despiu a credibilidade construída no Congresso.

Procuradores entraram com recente ação contra o juiz Ricardo Soares Leite, da 10ª Vara Federal de Brasília, pedindo seu afastamento da Operação Zelotes. Acusaram-no de decisões abusivas que dificultavam provas da corrupção, em torno de bilhões, no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, da Receita Federal. Procuradores também sabem, portanto, o que é a combinação de autoridade e deslimite, encontrável até onde a autoridade deve significar o limite. Ou, ao menos, sabem quando o ato que extrapola não é seu.

Há muitas vozes sérias e experientes contra o que entendem como excessos judiciais. Não raro ilegais, além de violentos. Ouvi-las é conveniente a todos, e o projeto contra abuso de autoridade é capaz de fazê-lo se submetido, não a um ataque letal, mas a uma apreciação sem facciosismos, interesses subalternos e corporativismo.

O ministro Luiz Barroso assumiu no Supremo Tribunal Federal quando estava em curso uma espécie de repassagem das discussões e decisões. Com a finura habitual, disse não se sentir à vontade para apoiar as condenações, já feitas, por formação de quadrilha. E expôs a sua ponderação.

Aos poucos, baixou no tribunal um ambiente de serena racionalidade, retomando o que o emocionalismo e a ira haviam engolfado, com desprezo insultuoso pelos esforços do revisor Lewandowski por alguma objetividade. Deu-se a reversão de vários votos: as condenações por formação de quadrilha caíram.

Seriam, no entanto, se mantidas, mais do que erros de apreciação e decisão. Decorreram do uso excessivo da autoridade, com a permissão pessoal de que a exaltação tomasse o lugar do equilíbrio no julgamento. Uma forma não reconhecida, mas inegável, de uso abusivo da autoridade, que levaria vários sentenciados a perder mais vida na cadeia do que deveriam.

A autoridade é, em si mesma, um abuso nas relações humanas. O que quer que elimine uma partícula sua, será civilizador e de justiça. Caso não tenha forma abusiva –o que, no projeto contra abuso de autoridade, não é difícil evitar.

Mais razão têm os procuradores contra maiores concessões a quem traga dinheiro mandado ao exterior por meio ilegal. Michel Temer apoia mais benesses. Do gabinete de Rodrigo Janot, no entanto, vem o argumento, exposto por Mônica Bergamo, contrário às regras em vigor por “premiarem quem cometeu irregularidades escondendo dinheiro no exterior, ao permitir que, pagando impostos e multa, regularizem a situação”. Não é isso a versão financeira da delação premiada que a Procuradoria-Geral da República consagra na Lava Jato? Pois é.

*Publicado no Folha de S.Paulo

Uma ideia sobre “Somos todos vítimas e testemunhas de abusos de autoridade

  1. Zé Povinho

    Este projeto não deve ser demonizado só porque caiu no agrado do Renan Calheiros ou do Sarney, ele precisa ser bem melhor debatido e não rejeitado ou aprovado na base do grito. Se demorou tanto assim para chegar a uma conclusão, que demore então mais um pouco para ser aprovado, a corrupção nem o abuso de autoridade vão acabar do dia para a noite.

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