por Ivan Schmidt
Único dos presidentes norte-americanos a cumprir quatro mandatos consecutivos na Casa Branca (1933-1945), morto durante o último, Franklin Delano Roosevelt enfrentou duas grandes crises em seu período de governo, a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial.
Criador do New Deal, FDR dizia a boca pequena que “o que estávamos fazendo neste país eram algumas das coisas que estavam sendo feitas na Rússia e mesmo algumas que estavam sendo feitas sob Hitler na Alemanha. Mas nós as fazíamos de uma maneira arrumada”. A declaração certamente foi extraída de documentos pessoais de FDR durante a imensa pesquisa feita pelo jornalista Jonah Goldberg para o livro Fascismo de esquerda (Record, RJ, 2009), no qual tenho encontrado a matéria prima essencial para meus escritos.
Ninguém escondia (nem o próprio) a noção de que FDR tinha simpatia pelo modo de pensar fascista, a ponto de auxiliares próximos chegarem a expor sua preocupação “principalmente porque fascismo veio a significar nazismo, e nazismo simplesmente significa o mal”.
Goldberg lembra que “o tom fascista do New Deal não só era discutido regularmente, como também era frequentemente citado como um ponto a favor de Roosevelt. Havia um enorme consenso, nos dois partidos, de que a Depressão requeria políticas ditatoriais e fascistas para derrotá-la. Walter Lippmann, servindo de embaixador da elite liberal da América, disse a FDR num encontro privado em Warm Springs: ‘A situação é crítica, Franklin. Você pode não ter nenhuma alternativa a não ser assumir poderes ditatoriais’”.
Na verdade, o New Deal foi concebido no auge de um momento fascista mundial “em que socialistas de muitos países estavam se tornando crescentemente nacionalistas e em que os nacionalistas não podiam abraçar nada que não fosse o socialismo. Diz o autor que “Franklin Delano não era nenhum fascista, ou pelo menos não se concebia como tal. Mas muitas de suas ideias e políticas eram indistinguíveis do fascismo. E hoje nós vivemos com os frutos do fascismo, e os chamamos liberais. Da política econômica à política populista e à fé no duradouro poder dos brain trusts para planejar nosso futuro coletivo – seja em Harvard ou na Suprema Corte – as suposições fascistas sobre o papel do Estado foram codificadas na mente americana, frequentemente com a concordância consensual dos dois partidos”.
FDR absorveu atitudes e ideias da experiência vivida durante a Era Progressista e “se Wilson era um totalitário intencional, Roosevelt tornou-se um totalitário por falta de alternativa – basicamente porque não tinha nenhuma ideia melhor a oferecer”.
Secretário-adjunto da Marinha, FDR “associou-se a Teddy Roosevelt, Henry Cabot Lodge e outros falcões republicanos que criticavam o governo Wilson. Chegou mesmo a vazar informações secretas da Marinha para os republicanos para que pudessem atacar o governo”, ao passo que testemunhou a aprovou todos os excessos da Primeira Guerra Mundial e, de tempos em tempos, também participou deles. Em parte alguma existem registros de que tenha desaprovado o ministro da Propaganda, George Creel, ou que tivesse qualquer dúvida significativa sobre a guerra no exterior ou no país”, escreveu Goldberg.
Em 1921 contraiu poliomielite e passou grande parte da década lutando para superar a deficiência e planejando o retorno à vida política. Embora a enorme dificuldade física, FDR se manteve vivo politicamente mesmo atuando nos bastidores e sem fazer qualquer aparição ou declaração pública. Finalmente, em 1932, se candidatou e ganhou a eleição presidencial pelo Partido Democrata.
Na presidência optou pela filosofia de governo que hoje atende pelo nome de Terceira Via, na avaliação de Goldberg: “Isso significava que nada era fixo. Nenhuma questão sobre o papel do governo ou de seus poderes era resolvida. E é por essa razão que tanto conservadores quanto radicais sempre abrigaram sentimentos que iam da frustração ao desespero por FDR. Para os radicais, FDR não tinha princípios fortes o bastante para se comprometer com uma mudança duradoura, enquanto para os conservadores ele não tinha princípios suficientes para manter sua posição”.
Segundo críticos da época e mesmo num exame tardio dos fatos de então, o liberalismo do New Deal tinha muitos pontos comuns com o fascismo italiano e o nacional-socialismo alemão. Goldberg diz que “todos eles partilhavam muitos dos mesmos ancestrais históricos e intelectuais. Os intelectuais fascistas e nazistas perseguiam constantemente um ‘caminho do meio’, ou uma ‘Terceira Via’ entre o capitalismo e o socialismo’”.
Um princípio entranhado nos modelos de Hitler e FDR era que “o Estado deve ter permissão para fazer qualquer coisa impunemente, desde que seja por boas razões. Esse é um princípio comum tanto ao fascismo, nazismo e progressismo quanto ao que hoje chamamos de liberalismo. Ele representa o triunfo do pragmatismo na política, no sentido de não reconhecer limitações dogmáticas ao escopo do poder do governo”.
E mais: “O líder e seus quadros ungidos são decisores situados acima e além de imperativos políticos ou democráticos. Eles invocam a ‘ciência’ e as leis da economia com a mesma divina reverência com que sacerdotes do templo antigamente liam as entranhas de bodes, mas, como se tornaram cegos a seus próprios saltos de fé, não conseguem ver que princípios morais e valores não podem ser derivados da ciência. Moral e valores são determinados por sacerdotes, quer usem túnicas negras ou aventais brancos de laboratório”.
Quando FDR foi eleito presidente em 1932, três eventos eram considerados com quase unânime admiração pela intelectualidade, a saber, a Revolução Bolchevique, a tomada do poder pelos fascistas na Itália e o “experimento” americano com o socialismo de guerra de Wilson. Naqueles idos, afiança Goldberg, a vertente socialista bolchevique na Rússia “havia se tornado um componente decisivo do liberalismo americano – de modo muito semelhante à admiração recebida pelo socialismo prussiano de cima para baixo de décadas antes. Simplesmente, a União Soviética era o futuro, e ‘funcionava’”.
O presidente que havia substituído Herbert Hoover assumiu como alguém que sabia como equilibrar o orçamento e cortar gastos do governo, embora muitos tenham observado que “o New Deal foi um fracasso ainda maior no que se referia a curar a Grande Depressão – mas Roosevelt tinha um traço que faltava a Hoover: uma compreensão do momento fascista”.
Desde os primeiros momentos da Era Progressista até a década de 1930, o cenário intelectual e ideológico esteve cindido em dois campos contíguos, conforme se lê em Fascismo de esquerda, travando-se a luta entre socialistas de direita e esquerda: “Mas praticamente todos os campos endossavam alguma versão híbrida do marxismo, alguma bastardização do sonho rousseauniano de uma sociedade governada por uma vontade geral. Foi somente nos últimos anos da década de 1940, com o renascimento do liberalismo clássico liderado por Friedrich Hayek, que o coletivismo de todos os matizes foi mais uma vez combatido por uma direita que não partilhava dos pressupostos essenciais da esquerda”.
A extensão da pesquisa de Jonah Goldberg impossibilita a tarefa de tocar, mesmo de passagem, em todos os pormenores da gênese e desenvolvimento das ideias políticas de Franklin Delano, mas há alguns pontos que merecem registro. Um deles é o paralelismo cronológico dos mandatos de Hitler e Roosevelt, que chegaram ao poder em 1933. “Embora fossem homens obviamente muito diferentes, eles compreenderam muitas coisas semelhantes a respeito da política numa era de massas. Ambos deviam suas eleições à percepção de que a política tradicional liberal se exaurira e foram os dois líderes mundiais mais bem-sucedidos em explorar as novas tecnologias políticas”, escreveu o jornalista americano.
FDR tornou-se famoso pela maneira com que usou o rádio, e os nazistas rapidamente copiaram a prática. Vale a pena considerar uma das inúmeras similitudes entre o presidente dos Estados Unidos e o chanceler da Alemanha, ou seja, “a bajulação” que faziam ao “homem esquecido”. Para Goldberg “o sucesso do fascismo quase sempre depende da cooperação dos ‘perdedores’ durante uma época de mudança econômica e tecnológica. As classes médias inferiores – pessoas que têm apenas o suficiente e temem perdê-lo – são as tropas de choque eleitorais do fascismo. Apelos populistas ao ressentimento contra os ‘tubarões’, ‘banqueiros internacionais’, ‘realistas econômicos’ e assim por diante são a característica típica de demagogos fascistas. Hitler e Mussolini certamente eram mais demagogos do que FDR, mas Roosevelt compreendeu plenamente a ‘magia’ de tais apelos. Não via nada errado em atribuir motivos maléficos aos que não o apoiavam, e certamente se comprazia com seu papel de tribuno bem-nascido falando em nome do cidadão comum”.
É óbvio que FDR se preocupava com o homem comum, o trabalhador, enfim. Hitler também o fazia, a ponto de especialistas que se debruçaram sobre o “New Deal de Hitler” (a expressão foi cunhada por David Schoenbaum), atestarem que “não apenas era semelhante ao de FDR, mas, de fato, foi mais generoso e bem-sucedido”.
No específico cenário político e social norte-americano era inevitável que o estado das artes sofresse transformações radicais a partir da década de 1960, em cujo período irei localizar a argamassa necessária ao entrelaçamento das ideias de meu próximo e último ensaio sobre esse fascinante tema.