8:55O efeito Lava Jato chegou à saúde

por Elio Gaspari

Era pedra cantada, em algum momento os efeitos da Lava Jato chegariam ao setor bilionário dos planos de saúde. Nelson de Mello, ex-diretor de relações institucionais da Hypermarcas, empresa que se intitula “campeã nacional de produtos farmacêuticos” vem colaborando com a Procuradoria-Geral da República desde março e revelou parte das relações incestuosas que cultivava com senadores e deputados. Como era de se esperar, caíram na roda o onipresente Eduardo Cunha e seu associado Lucio Bolonha Funaro.

Preso, Funaro tem o que contar. O ex-diretor da Hypermarcas já expôs a negociação de um jabuti na Medida Provisória 627 que, em tese, tratava de matéria tributária. Para azeitar seu interesse, Mello passou a Funaro R$ 2,9 milhões.

Há mais jabutis na forquilha da MP 627. A relação de Funaro com Eduardo Cunha e dele com operadoras de planos de saúde levou o Ministério Público à caixa preta desse mercado bilionário que vive das mensalidades de 70 milhões de brasileiros.

Durante o ano eleitoral de 2014, a MP 627 foi enxertada por 523 contrabandos. Num deles, enfiou-se uma anistia parcial a planos de saúde que descumpriam suas obrigações contratuais. Pela lei, uma operadora que negava um procedimento ao qual o freguês tinha direito poderia ser multada com penalidades que iam de R$ 5 mil a R$ 1 milhão. Quem já pagou multa de trânsito sabe que cada multa é uma multa. O jabuti mudava esse mecanismo. A operadora que tivesse sido multada de duas a 50 vezes pela mesma razão pagaria apenas duas multas. Numa regressão maligna, se as infrações fossem mais de mil, as multas seriam 20. Assim, se uma operadora negasse a mil clientes um procedimento que lhe custaria R$ 5.000 por negativa, em vez de pagar R$ 5 milhões, pagaria apenas R$ 100 mil.

Premiava-se com um refresco calculado em R$ 2 bilhões o desrespeito ao consumidor, estimulando-se a ineficiência de um sistema que está entre os campeões na lista negra dos organismos de defesa dos cidadãos.

O relator dessa medida provisória foi o deputado Eduardo Cunha, então líder do PMDB na Câmara. A MP foi votada em bloco e aprovada com o apoio da bancada oposicionista. Exposta a maracutaia, Cunha informou que discutiu o assunto com a Casa Civil, o Ministério da Fazenda e a Advocacia-Geral da União, mas não deu nome aos bois.

Para desgosto de grandes operadores de planos de saúde, generosos doadores de campanhas eleitorais e simpáticos admiradores de comissários petistas, Dilma Rousseff vetou o artigo.

Como a MP 627 ficou mais conhecida pelo seu aspecto tributário, beneficiando empreiteiras e bancos, o gato das multas parecia dormir no fundo do armazém. A Procuradoria-Geral da República puxou o fio dessa meada, o que significa a abertura de uma nova vitrine na exposição de malfeitorias.

Em geral, os jabutis colocados nas Medidas Provisórias são incompreensíveis e relacionam-se com altas transações financeiras. O gato colocado na tuba de 627 era gordo e escandaloso. Tão escandaloso que durante a negociação para a inclusão do contrabando o próprio Eduardo Cunha teria avisado que aquilo ia dar bolo e chegou a defender que Dilma vetasse o artigo. Em 2014, deu em veto. Bolo, está dando agora.

*Publicado na Folha de S.Paulo

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