Do blog Cabeça de Pedra
Ouvi. Sem querer, mas ouvi. O adolescente de queixo erguido diante de uma mãe já meio carcomida pelo tempo, gritou: “Eu não pedi para nascer!” O barulho do tapa na cara foi muito maior que o de uma bomba atômica no meio do deserto. Depois, tudo parou. O silêncio podia ser cortado em fatias. O garoto ficou com o corpo todo roxo. Menos a face esquerda, onde estalou a palma da mão da mãe. Olhei para o rosto dela. Parecia rejuvenescido. Agora era bonita e iluminada. Imaginei que aquilo estava entalado na sua alma. O que tinha suportado daquele fedelho de calça caída, mostrando a cueca colorida e o início do rego da bunda? As roupas e o tênis eram de grife, provavelmente comprados com muito sacrifício pela doce senhora. E o que mais? Será que ele já era da turma do tubão, da maconha e etc? Se ele não tinha pedido para nascer, depois daquele tabefe, se fosse decente, iria encontrar o motivo para caminhar e respeitar aquela mulher. A que virou o corpo e saiu caminhando pelo corredor do shopping como se estivesse flutuando nas nuvens. Ela tinha acabado de renascer.