por Yuri Vasconcelos Silva
Pacotes. Prateleiras. Gavetas. Ao invés de apenas observar e ignorar a vastidão da areia na praia, teima-se em separar punhados, meter em gavetas e rotular cada porção de grãos. Depois de algum tempo, não mais se percebe que tudo é areia da mesma praia. Morgan Freeman disse certa vez, em entrevista ao programa “60 Minutos” (ver abaixo), que o preconceito só vai desaparecer quando pararmos de falar disso. Simples e certeiro. Porque somos todos iguais com irrelevantes variações. Uns comem azeitonas, outros têm olhos cor de mel. Alguns dormem de ponta cabeça e outros têm um deus em Júpiter. Trivialidades longe do cerne, ainda discute-se a casca. A tragédia e a dor, inerente ao estado de estar vivo, são elencadas em hierarquias por este sistema maluco em que vivemos. As categorias são mais uma invenção humana que talvez mais atrapalhe do que ajude. Cinquenta mortos em Orlando, dois mil e oitocentos só em 2016 no Mediterrâneo, cinco no frio de São Paulo há pouco. Por que alguns merecem letras em bold, e outros são pequenas notas? A tragédia e a dor pessoal de um pai, filho ou irmão em qualquer destes cenários são equivalentes e são intransferíveis. Ninguém de fora poderia medir ou categorizar. O sofrimento agudo de perder alguém talvez desnude todos os ornamentos sociais irrelevantes, atire a pessoa dentro desse lugar escuro e amplo, a condição básica do ser humano: a fragilidade. Somente assim, na terra do sofrimento e de frente para a morte, talvez perceba-se que não se tratou de um ataque homofóbico. Este e todos os outros, inclusive os ignorados, são ataques contra a humanidade.
* 60 Minutos Morgan Freeman e Mike Wallace: https://www.youtube.com/watch?v=ZiPMdgCuxbw
*Yuri Vasconcelos Silva é arquiteto