Aos 15 anos me apresentaram a porta da esperança, que não era a do Silvio
Santos. Coração e alma povoadas pelos bichos mais peçonhentos, gosto de vida amargo como fel, nenhum afago, sem beijos, sem declarações de amor. Adaga cravada e dolorida a cada inspiração, expiração. Achei amarga a cerveja. Depois, tossi com o batismo de fumaça da diamba. Quando cheguei ao crack, não tinha completado 16. Roubei, enganei traficantes, levei tiro nas costas. Sobrevivi por causa do anjo de asas partidas. Agora olho aqui para essa gente de branco e pareço estar num hospital. Entubado. Não posso gritar. Não posso perguntar porque ganhei na loteria da desgraça. Minha mãe me olha e seu rosto é uma máscara de sofrimento. Não conheço meu pai. Não conheço nada. Sei que tenho sorte. Me agarro ao fiapo de vida que resta. Por que?