por Ivan Schmidt
Em nenhum momento de quaisquer das crises cíclicas que assolaram o país desde a proclamação da República, em 1889, viu-se manobra semelhante à que fez desembocar na chefia da Casa Civil o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Pouco depois de passar a faixa presidencial à sucessora Dilma Rousseff (ou teria sido antes?), esse mesmo senhor declarou que fora do poder não ficaria (a referência era a FHC), dando palpites sobre a administração alheia.
Uma rotunda inverdade, tanto que deu palpites a torto e a direito e, decorridos um ano e três meses da extensão do segundo mandato, caiu de paraquedas sobre o Palácio do Planalto, afastando com um peteleco o amanuense baiano Jacques Wagner, para assumir sob o bombardeio da oposição e arreganhos da militância arregimentada pelos movimentos organizados, o posto de ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República.
Alude-se que com objetivo duplo: trabalhar pelo arquivamento do processo de impeachment da presidente e arrumar com urgência a situação caótica da economia. As especulações pipocadas em Brasília, além da exigência de mudanças radicais na condução da política econômica – que ficariam ao talante da alardeada sapiência do múltiplo doutor honoris causa – davam como certos o retorno de Henrique Meireles para o Banco Central, Celso Amorim para as Relações Exteriores, Franklin Martins para a Comunicação Social e (pasmem!), Ciro Gomes para a Educação.
Mais tarde, Dilma desmentiu em entrevista coletiva a mudança de quadros em seu ministério.
A princípio não havia qualquer referência na agenda do novo superministro ao sufoco a que estão submetidos ele e a família pela ronda cada vez mais próxima da operação Lava Jato, que o segue como uma repaginação da ação cerebrina e implacável de um redivivo inspetor Javert, muito embora o suspeito da vez não tenha se apropriado de um mísero pedaço de pão.
Tudo ficou, porém, de pernas para o ar, numa espetaculosa reviravolta ocorrida em poucas horas, quando os meios de comunicação começaram a divulgar o conteúdo das conversas telefônicas (gravadas pela Polícia Federal com autorização da Justiça) de Lula com a presidente Dilma, ministros, advogados e acólitos, nas quais a arrogância e a deformação ética e moral ficaram, de uma vez por todas, desnudadas perante o povo brasileiro.
Sobrou para os ministros e juízes do Supremo e Superior Tribunal de Justiça, “acovardados”, aos presidentes “fodidos” do Senado e da Câmara, segundo o estrabismo turbado pela cólera de Lula, que literalmente ordenou ao ainda ministro Jacques Wagner que fosse à presença de Dilma sugerindo que esta pressionasse a ministra Rosa Weber (STF), que deveria decidir se a investigação da propriedade do triplex e do sítio devia ficar com o Ministério Público estadual ou passar para a Lava Jato.
O resultado foi a ordem do juiz Sergio Moro para a condução coercitiva do ex-presidente às dependências da Polícia Federal no aeroporto de Congonhas, onde foi ouvido sobre a questão.
A resposta inusitada para evitar uma iminente ordem de prisão (dizem que estava pronta), foi a nomeação de Lula para a chefia da Casa Civil. A essa altura seria instrutivo ouvir os argumentos do senador Renan Calheiros, presidente do Senado, que abrira as portas da residência oficial para incensar o balofo ego lulista, numa conversa cheia de rapapés e bajulações de olho gordo nos salvados do incêndio.
Falando francamente o partido que um dia teve Ulysses Guimarães, Teotônio Vilela, Mário Covas, Paulo Brossard, Franco Montoro, José Richa, Pedro Simon e tantos outros, pelo que se percebe da movimentação melíflua do senador alagoano logo estará sob seu completo domínio, concretizando uma estratégia elaborada caprichosamente há muitos anos e que agora se afigura pronta para vir à luz.
Renan teve paciência e espírito calculista para assistir a decadência dos últimos abencerrages peemedebistas e, assim sentir-se fortalecido para aglutinar em torno de si uma brigada de aliados dispostos a qualquer sacrifício, e dar finalmente o bote.
O tom cordato com que se referiu ao ex-presidente Lula e sua “capacidade” de prescrever um remédio salvador ao governo Dilma, mostrava bem sua disposição colaboracionista, mesmo porque se o ex-presidente conseguir acertar a mão, algo em que nem Hércules acredita, ninguém tira dele a candidatura presidencial em 2018, quem sabe com o próprio Renan na vice.
O presidente do Senado agora está diante da responsabilidade, não só por sua índole política oportunista, mas porque preside a Casa mais relevante do Congresso, de vir a público e revelar o que realmente pensa sobre o veneno da serpente que nunca saiu de cena.
A comprovada vocação do PMDB para o poder, mesmo que não o exerça de fato e de direito, o levará a regalar-se como de costume com a confortável função de coadjuvante que se curva a Deus e a Mamom, contanto que possa continuar pastando numa penca de ministérios e indicar apadrinhados para cargos diretivos nas estatais e agências reguladoras.
Voltando ao superministro diga-se que assumiu com o compromisso de trabalhar para evitar o impeachment de Dilma, anunciando como tarefa primordial e sintomática o entendimento com a linha de frente do PMDB, queiramos ou não, o fiel da balança na hipótese da chegada do processo de impedimento da presidente ao plenário do Congresso.
O balanço atual é que ninguém consegue governar (ou se manter no governo) sem o apoio do PMDB. É possível que uma engenharia política deva também ser imediatamente posta em prática, visando neutralizar o ímpeto do deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara e responsável por fazer andar o respectivo processo na Câmara, que em caso de aprovação será encaminhado ao Senado para a decisão final. Nesse momento Cunha, também réu da Lava Jato, é um dos principais desafetos do Palácio do Planalto, mas não desfruta da unanimidade de sua própria bancada, além de estar em julgamento pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar .
Assim, não haveria a menor surpresa se Cunha viesse a ser abandonado à própria sorte pelo partido, que o deixaria se extinguir como a chama de uma vela até a cassação do mandato e a perda dos direitos políticos ou a renúncia.
Tudo muda, entretanto, com a liberação das gravações de Lula e seus interlocutores pelo juiz Sergio Moro. Jamais se viu na história desse país tamanha afronta à ordem democrática e instituições republicanas. É o atestado final do naufrágio de um governo que apodreceu antes do tempo e que não tem o pejo de apresentar-se perante o mundo civilizado para reivindicar a inclusão no rol dos países que aspiram manter em vigor a lei da selva.