10:57A corrupção é passional?

por Claudio Henrique de Castro

As defesas de supostos envolvidos em escândalos de desvios de dinheiros públicos ainda não se utilizaram do argumento de que a corrupção é passional.

O ser passional é o indivíduo de fortes emoções – e não do raciocínio lógico.

Em resumo, o criminoso age “sem pensar”, pelas incontroláveis emoções.

Dir-se-á que “qualquer um agiria assim” ou, para os nacionalistas: “O brasileiro é um ser apaixonado”.

Jiménez de Asúa ensina que o crime passional pode ser dos nobres e que o autêntico crime de paixão revela o parentesco entre o amor e o ódio. (1)

A paixão está fora do plano dos direitos e dos deveres, ela é do agir coronário, da cegueira momentânea para a satisfação dos desejos incontroláveis e irracionais.

O noticiários sobre as investigações atuais revelam que, além do caixa dois das campanhas eleitorais, há vários mimos domésticos – de pequenas e grandes dimensões.

A lista é longa e vai de barcos, iates, carros importados, cozinhas, fazendas, sítios, vinhos, champanhes, reformas, imóveis, apartamentos luxuosos, casas de veraneio, casas no exterior e dinheiro vivo, em espécie, muitos dólares, muitos euros e muitos reais em maços generosos, até aos afortunados favores às parentelas e às concubinas.

É do genial Machado de Assis, no conto “O escrivão Coimbra”, a afirmação que, aparentemente, há poucos espetáculos tão melancólicos como um ancião comprando um bilhete de loteria – e que todas as coisas podem falhar neste mundo, menos a sorte grande de  quem compra um bilhete com fé. (2)

Aos acusados sobraram muita fé na impunidade e a certeza do sigilo das aventuras com os dinheiros da República.

Mas, em qual minuto eles optaram por este caminho?

Foi, sem dúvida, um momento de paixão.

A exultante paixão ao luxo, às facilidades do poder, ao conforto dos nobres, à recompensa pelo sofrimento de aguardar a totalização dos votos, da irritação gerada pelos debates eleitorais, dos apertos de mãos a milhares desconhecidos, das comidas dos mais variados odores e temperaturas, dos longos sorrisos plásticos que deram dores terríveis nos maxilares.

Afinal, a corrupção é passional?

Nossa resposta é com base em Raymundo Faoro. Ele afirmou que em certos momentos, o pensamento político se expressa melhor na novela do que no discurso político. (3)

Sim! É passional! E, muito mais, é uma novela, repleta de fortes emoções, de relacionamentos, de festas, de viagens, de famílias entrelaçadas, de poucos amigos e inconfessáveis inimigos figadais.

Para contá-la necessitamos de um longuíssima metragem que passe no horário nobre e nas madrugadas para contar as últimas décadas da política brasileira. De excelentes atores e atrizes que encenem empresários, doleiros, homens e mulheres públicos ou nem tanto para contar a saga pela busca aos dinheiros da República.

Resta lembrar que o eleitorado também é passional!

*Claudio Henrique de Castro é advogado e professor de Direito

NOTAS:

(1) ASÚA, Jimenez. Crónica del crimen. 6ª ed. Buenos Aires: Depalma, 1994, p. 119 e ss.

(2) ASSIS, Machado de. Contos/uma Antologia. Vol. 2. Seleção, introdução e notas/John Gleson, São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 505.

(3) FAORO, Raymundo. A República Inacabada. Organização e prefácio Fábio Konder Comparato, São Paulo: Globo, 2007, p

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