por Claudio Henrique de Castro
As defesas de supostos envolvidos em escândalos de desvios de dinheiros públicos ainda não se utilizaram do argumento de que a corrupção é passional.
O ser passional é o indivíduo de fortes emoções – e não do raciocínio lógico.
Em resumo, o criminoso age “sem pensar”, pelas incontroláveis emoções.
Dir-se-á que “qualquer um agiria assim” ou, para os nacionalistas: “O brasileiro é um ser apaixonado”.
Jiménez de Asúa ensina que o crime passional pode ser dos nobres e que o autêntico crime de paixão revela o parentesco entre o amor e o ódio. (1)
A paixão está fora do plano dos direitos e dos deveres, ela é do agir coronário, da cegueira momentânea para a satisfação dos desejos incontroláveis e irracionais.
O noticiários sobre as investigações atuais revelam que, além do caixa dois das campanhas eleitorais, há vários mimos domésticos – de pequenas e grandes dimensões.
A lista é longa e vai de barcos, iates, carros importados, cozinhas, fazendas, sítios, vinhos, champanhes, reformas, imóveis, apartamentos luxuosos, casas de veraneio, casas no exterior e dinheiro vivo, em espécie, muitos dólares, muitos euros e muitos reais em maços generosos, até aos afortunados favores às parentelas e às concubinas.
É do genial Machado de Assis, no conto “O escrivão Coimbra”, a afirmação que, aparentemente, há poucos espetáculos tão melancólicos como um ancião comprando um bilhete de loteria – e que todas as coisas podem falhar neste mundo, menos a sorte grande de quem compra um bilhete com fé. (2)
Aos acusados sobraram muita fé na impunidade e a certeza do sigilo das aventuras com os dinheiros da República.
Mas, em qual minuto eles optaram por este caminho?
Foi, sem dúvida, um momento de paixão.
A exultante paixão ao luxo, às facilidades do poder, ao conforto dos nobres, à recompensa pelo sofrimento de aguardar a totalização dos votos, da irritação gerada pelos debates eleitorais, dos apertos de mãos a milhares desconhecidos, das comidas dos mais variados odores e temperaturas, dos longos sorrisos plásticos que deram dores terríveis nos maxilares.
Afinal, a corrupção é passional?
Nossa resposta é com base em Raymundo Faoro. Ele afirmou que em certos momentos, o pensamento político se expressa melhor na novela do que no discurso político. (3)
Sim! É passional! E, muito mais, é uma novela, repleta de fortes emoções, de relacionamentos, de festas, de viagens, de famílias entrelaçadas, de poucos amigos e inconfessáveis inimigos figadais.
Para contá-la necessitamos de um longuíssima metragem que passe no horário nobre e nas madrugadas para contar as últimas décadas da política brasileira. De excelentes atores e atrizes que encenem empresários, doleiros, homens e mulheres públicos ou nem tanto para contar a saga pela busca aos dinheiros da República.
Resta lembrar que o eleitorado também é passional!
*Claudio Henrique de Castro é advogado e professor de Direito
NOTAS:
(1) ASÚA, Jimenez. Crónica del crimen. 6ª ed. Buenos Aires: Depalma, 1994, p. 119 e ss.
(2) ASSIS, Machado de. Contos/uma Antologia. Vol. 2. Seleção, introdução e notas/John Gleson, São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 505.
(3) FAORO, Raymundo. A República Inacabada. Organização e prefácio Fábio Konder Comparato, São Paulo: Globo, 2007, p