6:04Para Ticiana: entrando na conversa

por Célio Heitor Guimarães 

Ticiana Vasconcelos Silva é uma jovem que não conheço pessoalmente, mas que respeito e admiro pelo que já li do que foi escrito por ela e das poucas informações que tenho dela. Por isso, assustei-me um pouco com o texto que ela escreveu na edição do blog de ontem (“Para começar a conversa”). É possível que ela estivesse mesmo apenas pretendendo chamar a atenção para “começar a conversa” e “poetizando”. Mas nem por isso precisava iniciar a pretensão afirmando que deseja morrer. Por achar “tudo tão denso, tão pesado, tão concreto em um corpo pequeno demais para a minha alma”. Aí proclama pela liberdade, pela vontade de voar… E supõe que o amor que lhe dedicam não seria suficiente para impedi-la de ir embora para sempre.

Minha linda Ticiana. Poucas coisas são tão dadivosas quanto a vida. Com seus percalços, com suas encruzilhadas, com suas desilusões e, especialmente, com seus mistérios. Por tudo isso, nem sempre é possível entendê-la, tolerá-la, aceitá-la. Mas não se pode esquecer que é um dádiva divina, de uma força superior, com um propósito definido, que, ainda que não saibamos qual é, existe.

Se você está preocupada com o futuro, com o por vir, saiba que isso é próprio da juventude, da adolescência e até de nós adultos. Há coisas que só o passar do tempo ensina. No momento certo, sem ansiedade ou precipitação. Assim como a almejada felicidade. Existirá ela? Ou existem apenas momentos felizes? Pouco importa. Guimarães Rosa achava que o máximo que os deuses nos concedem são momentos de alegria, que acontecem em “raros momentos de distração (deles, os deuses).

Todos nós, seres viventes comuns, temos medo do futuro. A Adélia Prado – poeta como você – tem um verso que diz que o Paraíso vai ser igualzinho a esta vida, tudo do mesmo jeito, com uma única diferença: a gente não vai ter mais medo. Rubem Alves, o meu inesquecível filósofo favorito, achava isso muito estranho: o futuro não existe, ainda não aconteceu, como é possível ter medo dele? E atribuía isso à alma: “a alma é o lugar onde o que não existe, existe”. E a nossa imaginação leva à dúvida, à desesperança, ao medo – coisas que assombram o nosso presente.

Por isso, o melhor é viver a dor apenas no momento em que ela vier. Se vier. Jesus, que, no mínimo, era um homem sábio, ensinava que sabedoria é viver apenas o presente. “Por que andais ansioso pelo dia de amanhã? Olhai os lírios dos campos… Olhai as aves dos céus… Qual de vos, com sua ansiedade, será capaz de alterar o curso da vida?”!

Um dia a morte vai chegar, os lírios serão cortados, as aves do céu também morrerão. Como os lírios e as aves não sabem que vão morrer, preocupam-se apenas em viver o presente. Nós, os humanos, sabemos que a vida é finita e, por isso, certamente, chegará ao fim. Mas só depois que nós houvermos completado a nossa serenata. Antes, não terá nenhum sentido.

Nem sempre é possível fazer-se apenas o que gosta. Às vezes, somos obrigados a viver ou a fazer coisas desagradáveis, que nos entristecem. Mas isso é parte do aprendizado, do crescimento do ser humano. Não estou querendo dar-lhe lições, ditar-lhe regras, ensiná-la a viver. Quem sou eu para isso? Mas venho de uma longa caminhada e apenas conto um pouco do que aprendi ao longo da vida.

Você tem um belo futuro pela frente, logo estará voando rumo à sua almejada liberdade. Só espere o momento certo e embale a esperança junto daqueles que lhe querem bem. Enxugue as lágrimas, arrede para longe o pessimismo, confie no seu taco e dê um forte abraço em seu pai, com o meu carinho e a minha amizade. Beijo.

PS – O amor é a força que move o Universo. É a única coisa que nos dá a certeza da eternidade. E talvez seja essa a missão que nos foi destinada quando aqui chegamos: transformar este mundo em algo que possa ser amado. Força, Ticiana!

4 ideias sobre “Para Ticiana: entrando na conversa

  1. Ivan Schmidt

    Mestre Celio Heitor, mais uma vez parabéns pela sensibilidade e tato no alinhamento das palavras. Valeu!
    Deixei também meu pequeno recado para a Ticiana, uma poeta…

  2. Ticiana

    Caro Célio,
    Sinto-me lisonjeada em receber uma resposta sua.
    Talvez a poesia queira nos dizer algo. Talvez não.
    De nenhuma maneira gostaria de me justificar, afinal estamos em uma conversa.
    Permita-me apenas fazer uma comparação entre nossos textos: em minhas linhas vejo a morte não como o fim da vida, nem como algo triste e você a menciona tal qual ela é, ou seja, o fim da vida.
    Exatamente neste ponto, podemos achar algo em comum: o amor pela vida. À primeira vista, pode parecer que não, mas de fato pode-se encontrar isso implicita e explicitamente em nossos textos.
    Falar sobre a vida é para poucos, apesar de muito se falar sobre ela, e talvez, por isso, seja mais fácil falar sobre a morte, sobre algo que desconhecemos.
    Ainda não me arrisco a escrever algo sobre ela, a vida. Tenho medo. Ou não me sinto capaz de descrevê-la tal qual ela é. Faltariam-me palavras.
    Suas palavras apenas me reforçam o sentido de viver e em minha pequena experiência de vida, tenho aprendido a importância do presente.
    Sim, a vida é uma dádiva e em meus erros aprendo isso mais concretamente.
    Acho que para um poeta, qualquer resposta é um sinal de que seu trabalho está sendo feito, então, agradeço aqui por você demonstrar que não apenas lê o que eu escrevo, mas, principlamente, que se importa de fato comigo.
    Sigamos em frente!
    Abraços carinhosos

  3. Sergio Silvestre

    Agora a pouco nos meus devaneios escrevi algo meio que parecido do que eu penso da vida”tenho um passado para relembrar e um presente que se acaba num estalar de dedos enquanto escrevo a frase”futuro não existe por que ainda não vivi ele.

  4. Célio Heitor Guimarães

    Querida Ticiana, já que nos aprofundamos no tema, permita-me acrescentar: estamos aqui de passagem e a morte simplesmente não existe.

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