11:54Música dos anjos

Do blog Cabeça de Pedra

Os pingos da chuva descem perpendicularmente como estilhaços negros na direção das costas das duas crianças. Parecem ser um casal de irmãos. Entre eles, um grande guarda-chuva negro protege os corpos. Os dois seguram um gato e um cachorro. Ambos olham para quem os está olhando. A pintura é pequena como a caixa onde ela está na tampa. A sala tem uma janela aberta de onde se vê uma montanha. A luz que entra ilumina algumas mesas, as poltronas e cadeiras antigas, uma parte da lareira e um quadro em cima onde um alce velho solta um bafo que toma conta de tudo. Ali faz frio. Aqui não. As crianças continuam com o olhar de quem não pedem proteção, mas sim que se atenda a curiosidade para abrir aquela pequena caixa colocada em cima de uma mesinha entre poltronas de couro marrom escuro, antigas. Ordem atendida. Então a música que sai dali toma conta de tudo, com a suavidade que se imagina brotando das pequenas arpas dos anjos que flutuam nas nuvens. Há quanto tempo… Caixinha de música… A palavra encantamento é pouco escrita, lida e muito menos utilizada para descrever momentos como esse. Um senhor sentado sozinho numa sala imensa, um raio de luz entrando pela janela do mundo exterior, um desassossego que deixou serra abaixo, no trânsito das grandes cidades. Ele recosta a cabeça na poltrona e deixa a caixinha o levar. Para dentro. Para a paz que existe e ele pensava ter perdido. Ao olhar de novo as crianças notou que o menino calçava uma sandália bem maior que o pé. Era criança e adulto. Éramos nós. 

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