por Elio Gaspari
Há algum parafuso solto no sistema nacional de manutenção da ordem pública. Marcelo Odebrecht, dono da maior empreiteira do país, completa sete meses de prisão preventiva na próxima terça-feira (19), e todas as 17 pessoas detidas durante as desordens ocorridas em São Paulo no inicio da noite de sexta-feira (8), foram libertadas no dia seguinte. Em poucas horas, foram depredados oito ônibus e cinco agências bancárias. Pode-se dizer que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, mas essas duas situações acontecem no mesmo país. Juntas, não fazem sentido.
Tem gente que fica feliz com a hipótese de os presos endinheirados mofarem na cadeia pelas malfeitorias que praticaram, mas não é assim que funciona a coisa. A prisão preventiva de um cidadão só se justifica pelo flagrante de delito ou para impedir que ele continue praticando um crime. Admita-se que esse é o caso para todos os empresários, políticos e espertalhões que estão presos em Curitiba e em Brasília. O mesmo deveria valer para os desordeiros.
Ao contrário do que acontecia no mundo das empreiteiras, onde as roubalheiras eram dissimuladas, a ação dos mascarados deu-se às claras e foi registrada ao vivo e a cores. A polícia de São Paulo mobilizou centenas de PMs, sua tropa de choque e veículos blindados para acompanhar a manifestação contra o aumento de tarifas de ônibus. Para quem quer dar uma manifestação de força, serviço perfeito. Durante mais de uma hora, mascarados tumultuaram o centro da cidade. Só 17 pessoas foram detidas. É pouco, mas vá lá. O relaxamento das prisões em flagrante foi determinada pela Justiça. Uma juíza considerou inconclusivas as provas apresentadas contra os cidadãos. A força foi exibida, mas deu em nada. De duas uma: a polícia prendeu quem não devia ou a Justiça soltou quem deveria continuar preso. Ao final das contas, não prenderam uma só pessoa com provas que a juíza considerasse irrefutáveis. Há apenas um desordeiro recolhido. Está na Fundação Casa, por ser menor de idade, e foi levado a uma delegacia na segunda-feira pelo pai policial, ao vê-lo num vídeo de quatro minutos na cena do espancamento de um PM.
A ação dos mascarados foi demorada. Num incidente eles pararam dois ônibus, obrigaram os passageiros a desembarcar e ordenaram aos motoristas que manobrassem os veículos para que obstruíssem uma avenida. Em seguida, quebraram vidros e picharam a lataria dos veículos. A polícia é treinada para intervir em situações desse tipo e dispõe de equipamentos para registrar a cena.
Um cidadão mascarado no meio de uma manifestação pacífica é pelo menos suspeito de estar ali para provocar alguma desordem. Quem já viu alguma dessas explosões de violência sabe que elas partem de grupos perfeitamente identificáveis antes, durante e depois das manifestações. Desordeiro não é ativista, nem um sujeito quebrando vidros de ônibus está manifestando uma opinião.
Se a prisão dos empreiteiros tem a virtude de desestimular futuras traficâncias, o fato de não haver um só desordeiro na cadeia torna-se um estímulo a novas violências, cuja principal consequência é a inibição de manifestações pacíficas.