por Lucio de Castro, no UOL Esporte
Você já deve ter ouvido falar de Paulo Schmitt, o procurador-geral do STJD, em assuntos relacionados ao futebol. O que provavelmente não sabe é que ele reina soberano no basquete. Ganha R$ 35 mil mensais para prestar assessoria jurídica para a CBB. E, desde o ano passado, está invicto: venceu as seis licitações –em todas, superou as mesmas duas empresas concorrentes, ambas de pessoas muito ligadas a ele-, para prestar assessoria jurídica para a CBB em convênios com o Ministério do Esporte. A reportagem teve acesso a ampla documentação e constatou que mesmo sem calcular o ganho de alguns dos contratos, a empresa de Schmitt, a “Praxis Consultoria e Informação Desportiva”, somará mais de R$ 3 milhões, em uma estimativa conservadora, pelos contratos já garantidos.
Assim, a Praxis vende o serviço de consultoria jurídica para a CBB em distintas situações: uma como o prestador oficial de assessoria jurídica da CBB, de maneira global (contrato de quatro anos. assinado em 2013, com validade até 2017). E outra pontualmente, a cada convênio assinado entre a entidade e o Ministério do Esporte. Os gastos com a assessoria do advogado são de verba pública. Até o rompimento do contrato entre Eletrobras e CBB, em 2014, a assessoria jurídica fixa era debitada no contrato do patrocinador. E as assessorias pontuais de convênios são da conta do Ministério do Esporte.
No contrato anterior ao vigente, Paulo Schmitt recebia R$ 30.000,00 por mês. De acordo com as notas obtidas pela reportagem através da Lei de Acesso à Informação e que constavam da prestação de contas da CBB para a Eletrobras, pagos normalmente em duas notas mensais, nos dias 16 e 30 de cada mês, divididos em R$ 18.200,00 e outra nota de R$ 11.800,00. Pagos desde o mês da posse de Carlos Nunes, em maio de 2009. Ao assinar o novo contrato que subiu o valor mensal, em junho de 2013, de acordo com e-mail de Paulo Schmitt para a CBB, constante na prestação de contas, o consultor jurídico aponta para dívida de R$ 210.000,00 por parte da CBB, a ser pago em sete prestações de R$ 30.000,00 a partir de junho de 2013, além da verba do novo contrato. O objeto das notas é sempre “consultoria em direito e justiça desportiva conforme termo de contrato”.
Nos editais de licitação da CBB para assessoria jurídica nos convênios com o Ministério do Esporte, há uma cláusula que praticamente garante e explica a invencibilidade de Paulo Schmitt nas concorrências, sempre realizadas pelo tipo “Técnica e Preço”. No item “Requisitos”, está a seguinte exigência: “Experiência de no mínimo 2 anos quanto a prestação do serviço para entidades esportivas de modalidades coletivas, sendo um diferencial a prestação de serviços para equipes de basquetebol, adultas e base, ter participado de eventos relacionados a seleções estaduais de basquetebol de base de abrangência nacional, atendendo a todos os requisitos necessários e as exigências que a modalidade exige, com padrões nacionais e internacionais. Devem apresentar comprovação de serviços relacionados, através de declarações de entidades desportivas e atestado de capacidade técnica”. Considerando que é a empresa do procurador do STJD que presta assessoria para a entidade do basquete, verifica-se um caso clássico onde se considera existir cláusula restritiva e de direcionamento da licitação.
As seis licitações analisadas pela reportagem, ganhas por Schmitt (Praxis Consultoria e Informação Desportiva), convênios entre o Ministério do Esporte e a CBB entre 2014 e 2015, tiveram como objeto: “Campeonato Brasileiro de Base”, “Seleção Adulta Masculina”, “Seleção Adulta Feminina”, “Campeonato Brasileiro de Seleções Sub-17”, “Ações CBB de junho a setembro de 2014”, “Campeonato Brasileiro de Seleções Sub-15 2015”. Em todas as seis concorrências ganhas pela Praxis, os outros candidatos foram a “Silveira e Hostins Advogados Associados” e a “Scopo Sports Assessoria Desportiva”. O veredito da comissão de licitação é invariavelmente a vitória de Schmitt “por obedecer todos os itens contidos no Edital e oferecer o menor preço”.
Os perdedores de todas as licitações também são nomes próximos a CBB e entre eles. A “Silveira e Hostins Advogados” tem entre os sócios Luciano Hostins, membro da Segunda Comissão de Procuradores do STJD do Futebol, (no qual Paulo Schmitt é o Procurador-Geral), além de prestador de serviço para a CBB e da gestão Carlos Nunes. Além de representarem a entidade a quatro mãos com Schmitt no processo movido pela Eletrobras contra a instituição, Hostins e Schmitt estiveram juntos na Assembleia Geral da CBB de 4 de maio de 2009, que elegeu Carlos Nunes presidente. Procurador da Federação de Mato Grosso do Sul na ocasião, Schmitt presidiu a assembleia e a votação. E convocou Hostins, que era o procurador da Federação de Rondônia, para ser o Secretário da sessão, como mostra a ata, registrada no 12º Ofício de Notas do Rio de Janeiro.
A outra empresa que se repete como perdedora nas licitações é a “Scopo Sports Assessoria Desportiva”, representada nas disputas por Itamar Luiz Monteiro Côrtes, de Curitiba, assim como Schmitt, que aparece no site da Scopo Sports exaltando o trabalho de Itamar Luiz, como “um dos 10 melhores, espécie de top ten”. O site exalta ainda o êxito na defesa dos clientes Coritiba e Paraná Clube no TJD e no STJD ano a ano, mostrando porcentagens sempre acima de 90% “dos casos julgados como absolvições ou desclassificações com condenação mínima e multa”.
Entre as seis licitações analisadas, ganhas por Schmitt, verifica-se em uma delas, a do Convênio 7901, “Projeto de Preparação da Seleção Brasileira Adulta Feminina 2015/2016 (Cotação Prévia de preços 006/2015), a tão frequente prática do uso de aditivos em concorrências. Os três concorrentes habituais, Praxis, Scopo e Silveira e Hostins entraram na disputa. A Praxis apresentou proposta de R$ 5.000,00 mensais durante 15 meses. A de Hostins fez proposta de R$ 10.000,00 mensais e a Scopo apresentou preço de R$ 8.000,00. No mesmo dia 27 de julho, as três apresentam aditivo das propostas por mais 4 meses além dos 15 anteriores. E no dia 31 de julho a Praxis é declarada vencedora.
Com os homens o trabalho é mais caro. Na licitação do “Projeto de Preparação da Seleção Brasileira Adulta Masculina 2015/2016”, mudou apenas o valor, sendo o vencedor o de sempre. Apenas R$ 500,00 separaram a proposta da Praxis e da Hostins. A empresa de Schmitt, com orçamento de R$ 12.500,00 mensais, levou. A Scopo fez proposta de R$ 14.000,00 mensais entre agosto de 2015 e julho de 2016.
A atual “Comissão Permanente de Licitação” da CBB, formada em 20 de maio de 2014, tem como presidente o secretário geral da entidade, Édio José Alves e os demais integrantes Mariçair Ribeiro da Silva, Márcia Cristina Bernardes Marinho e Tatiana Petini Mota, todos com cargos na confederação.
Além de Procurador-Geral do STJD do Futebol, Paulo Schmitt presta assessoria jurídica, além da CBB, para a Confederação Brasileira de Ciclismo (CBC), Confederação Brasileira de Handebol (CBHb) e Confederação Brasileira de Ginástica (CBG).
Procurada diversas vezes pela reportagem para falar sobre as licitações e a relação com assessoria de Paulo Schmitt, a CBB não respondeu. A reportagem enviou questões para Schmitt sobre a razão de cobrança por assessoria jurídica específica em relação aos Convênios entre a CBB e o Ministério do Esporte, já tendo um contrato geral de assessoria jurídica com a entidade, perguntando se não existiria duplicidade na cobrança. E questionou ainda o fato de todas as licitações terem sido ganhas por ele. O advogado afirmou que “não há duplicidades em contratos ou pagamentos relacionados a área jurídica da CBB, mesmo porque os objetos dos contratos são distintos e eventualmente dedutíveis”. Sobre a invencibilidade nas licitações da CBB, afirmou: “Apresentamos nossas propostas de preços e documentos de habilitação, qualificação jurídica e técnica para participação em licitações ou cotações como qualquer outra empresa ou escritório quando requerido. Compete as entidades contratantes a análise e seleção da proposta mais vantajosa”.
Luciano Hostins, da Silveira e Hostins, e Itamar Luiz Monteiro Côrtes, da Scopo Sports, também foram procurados para falar sobre o fato de perderem sempre a concorrência para Schmitt. Côrtes respondeu: “As licitações de federações e confederações levam em conta a qualidade técnica e também o preço. Como somos especializados na área desportiva, nosso preço talvez seja um pouco acima do mercado. Tal situação inviabiliza muitas vezes ganharmos as licitações, seja na CBB ou em outra entidade desportiva. As regras são transparentes e vence quem preenche os requisitos e tenha um preço menor. Por outro lado, se a proposta for baixa não nos compensa comercialmente devido a demanda de trabalho e responsabilidade que envolve”.
Consultado, o Ministério do Esporte limitou a resposta sobre o assessoramento pontual, a cada convênio feito com a entidade pelo órgão governamental: “Não há impedimento legal. Conforme a Portaria Interministerial nº 507/2011 (MPOG/CGU/MF), o proponente pode usar até 15% do valor do objeto do convênio para despesas administrativas, desde que demonstradas no respectivo plano de trabalho”, sem responder sobre existir pagamento para assessoria fixa.
E ele sempre foi ligadão ao companheiro Ricardo Gomide.
E aí… quem fez tudo isso e não pagou nada pro Ministério Público ?