por Zé da Silva
O pai dele foi embora há muito tempo. Enquanto estava vivo, pouco se falaram. Dois trancados. O olhar do velho é quem dizia. Não havia sorriso. Houve amaldiçoamento. Não tinha palavra, nem carinho. Era um amor estranho. Ele foi embora cedo. Casou, errou, quebrou, recuperou. Foi lá longe ver o doente que estava partindo. Enfermaria de gemidos. Uma semana ao lado dele, olhar embaciado, poucos momentos de lucidez. Declarações mútuas em silêncio. Na respiração ofegante final, maca sendo levada para a UTI, o beijo e as palavras nunca ditas. Agora ele fica se flagrando nos gestos iguais. Mão direita alisando a cabeça a partir da testa até a nuca. Pé direito sobre a canela esquerda quando deitado. Acha que ele é ele. Fica feliz por isso. Porque é mesmo.