por Zé da Silva
Capricórnio
Está aqui ao meu lado. Flutuando dentro de um nicho da estante de madeira. Hering, quatro baixos. Foi encontrada num antiquário. Amor? Pode ser. Sem perguntar preço, comprei. Nunca toquei uma música. Não sei uma nota musical. Toco as minhas, que improviso na hora. O bruxo Hermeto nasceu tocando. Ele mesmo conta. Assim que viu a luz do mundo ao sair da mãe pelas mãos da parteira. Foi lá em Lagoa da Canoa, município de Arapiraca. Eu toquei muito quando era criança. Os nordestinos estavam no rádio. A grande bolsa do pai, aquela onde levava marmita para o trabalho, era empunhada. E dá-lhe dedilhar – e o som da sanfona saindo dela, não do alto falante. Depois tudo foi ficando pelos caminhos, casas, cidades… Até ela aparecer de novo. A bolsa em forma do folezinho. Como é lindo o som! Toco às vezes para as raras visitas. Aconchego a sanfoninha no meu peito e sai melodia. Às vezes é bem curtinha. Fecho os olhos e os dedos atendem ao chamado. Digo depois que aquela música foi feita especialmente para aquela pessoa. Nunca fiz uma para mim. Não preciso. Todas elas estão ali dentro. Da bolsa em forma de sanfoninha amada.