por Tostão
A ciência esportiva, o desenvolvimento tecnológico e a estatística dão uma grande contribuição ao futebol e às análises do jogo, das equipes e dos jogadores, quando são acompanhadas de bom senso e de uma visão crítica dos números e dos fatos.
Os jornalistas comentaristas usam muito mais a estatística e as informações, o que é uma vantagem, do que ex-atletas. Estes são melhores nas análises dos lances, das intenções e das decisões dos jogadores. Júnior, da TV Globo, é preciso nesses comentários.
Paradoxalmente, os jornalistas, os mais apaixonados pela prancheta, costumam dar mais importância aos detalhes táticos e às estratégias dos técnicos. A maioria dos ex-atletas, desde a época em que atuavam, tem hoje, como comentaristas, menos preocupação com a ciência esportiva, o que é uma deficiência. Deveriam ser menos dependentes das intuições e dos achismos.
Com a evolução da ciência esportiva, não há mais lugar para treinadores e comentaristas “boleiros” nem para expressões do tipo “fulano conhece a linguagem do jogador”. O futebol e o mundo mudaram.
Jornalistas gostam mais de explicar tudo, mesmo o que não tem explicação. Ignoram o acaso, como se fosse uma bengala para a ignorância. Muitos acham que o que acontece em um jogo é planejado, ensaiado. Por isso, passaram a analisar os jogos a partir do resultado e da conduta dos treinadores, o que supervalorizou os técnicos. O pior momento do futebol brasileiro foi justamente quando os técnicos foram mais endeusados, um contrassenso.
O maior compromisso de um comentarista, jornalista ou ex-atleta, não deveria ser com o resultado, e sim com a qualidade do espetáculo. Ganha-se e perde-se por muito pouco, e ganha-se de mil maneiras, mesmo com condutas medíocres e ultrapassadas. No Brasil, se ganhou, está tudo ótimo. Se perdeu, tudo péssimo.
Nenhum profissional, cientista, deveria perder a capacidade de observar, de perceber as subjetividades, de deduzir o que não está claro nem o que não foi dito. Parte da vida se passa nas entrelinhas. Não dá para medir, calcular, os encantos de um craque nem de uma partida.
A experiência de ter cursado uma faculdade e/ou de ter compartilhado estudos científicos é muito importante, mesmo quando isso não faz mais parte da atual atividade. O conhecimento, mesmo em outras áreas, amplia a capacidade de refletir, de conceituar e de propor soluções.
Freud, antes de criar a psicanálise, foi biólogo, médico, neurologista. Após longa carreira, disse que os grandes poetas e escritores já tinham imaginado muitas das coisas que ele aprendera e descobrira, e que ele só aprofundou e organizou cientificamente os conhecimentos.
Nos últimos 20 anos, trabalhei como comentarista e colunista. Assisti, com curiosidade, estranheza, admiração, crítica, proximidade e distanciamento, ao desenvolvimento da internet, um dos fatos mais marcantes, inacreditáveis, da civilização humana. A vida é um espanto.
*Publicado na Folha de S.Paulo