por Ruy Castro
Para muitos, Orlando Silva, que faria 100 anos neste sábado, ainda é o maior cantor brasileiro de todos os tempos. De 1935 a 1942, em sua fase Victor, sem dúvida. Em termos de fatura vocal, talvez superasse o próprio Bing Crosby, de quem foi um êmulo brasileiríssimo. De Orlando, por sua vez, surgiram Cyro Monteiro, Gilberto Alves, Nelson Gonçalves, Lucio Alves e João Gilberto.
Num país com poucas vitrolas, emissoras de alcance limitado e sem estradas ou aviões, Orlando foi um fenômeno nacional. Naqueles sete anos, gravou 72 discos de 78 r.p.m., compreendendo 144 músicas. Significa que, uma vez por mês, a Victor soltava na praça um novo disco seu. Havia público para tanto? E como fazer esse disco chegar a São Luiz, Manaus ou mesmo Salvador? Pois os sambas, sambas-canção, foxes, valsas e canções com que os maiores compositores brasileiros o abasteciam chegavam. Eis alguns:
“Juramento Falso”, “Lábios que Beijei”, “Aliança Partida”, “Amigo Leal”, “Carinhoso”, “Rosa”, “Boêmio”, “A Última Canção”, “Alegria”, “Jurei, mas Fracassei”, “Tua Beleza”, “Abre a Janela”, “Caprichos do Destino”, “Meu Romance”, “Nada Além”, “Deusa do Cassino”, “Errei… Erramos”, “Página de Dor”, “Meu Consolo é Você”, “A Jardineira”, “Por Quanto Tempo Ainda?”, “Dá-me Tuas Mãos”, “Uma Dor e uma Saudade”, “Número Um”, “A Primeira Vez”, “Em Pleno Luar”, “Curare”, “Naná”, “Lágrimas de Homem”, “Preconceito”, “Aos Pés da Cruz” e muitas mais. Quem no Brasil construiu tal repertório de clássicos e em tão pouco tempo?
A partir de 1943, a morfina e suas consequências destruíram Orlando. Ele perdeu a voz, a carreira e o público. Tinha 28 anos. Mas continuou na ativa e morreu aos 63, em 1978, sempre se julgando Orlando Silva.
De fato, havia um Orlando indestrutível. Só que não era mais ele.
*Publicado na Folha de S.Paulo