por João Pereira Coutinho
“Violar a lei”: será correto usar esse verbo em faculdades de direito? Ou a palavra “violar” pode ser ofensiva para alunas e alunos, despertando em alguns deles memórias traumáticas que devem permanecer nos calabouços da consciência?
O leitor leu o início da coluna e pensa que o autor enlouqueceu nos últimos tempos. Quem me dera. O caso aconteceu mesmo em Harvard: estudantes “desconfortáveis” com o termo pediram aos professores para o evitarem.
A história é relatada na revista “Atlantic Monthly” e os autores, Greg Lukianoff e Jonathan Haidt, não se limitam às “violações” da lei.
Segundo os próprios, crescem nos Estados Unidos os casos de “microagressões” –palavras, conceitos, meras alusões que põem em risco o “bem-estar emocional” dos alunos. E os alunos têm direito a esse “bem-estar”. As universidades devem ser “zonas de conforto” onde nunca se deve escutar aquilo de que não se gosta.
É exatamente por isso que os professores universitários são aconselhados a emitirem avisos prévios antes de ensinarem matérias potencialmente ofensivas.
Um exemplo do artigo: se o assunto é literatura, o professor deve avisar previamente a turma que “misoginia” e “abusos físicos” fazem parte da obra “O Grande Gatsby”, de F. Scott Fitzgerald. Caso contrário, uma alma mais sensível pode desmaiar em plena classe e a carreira do professor estará terminada. Pergunta óbvia: como se chegou até aqui?
O artigo culpa os pais dos universitários de hoje, que educaram as suas crianças com uma obsessão pela segurança que não existia em gerações anteriores. É uma excelente hipótese e, por mero acaso, um livro lido recentemente ajuda a entender essa loucura.
Intitula-se “How to Raise an Adult” (como educar um adulto), foi escrito por Julie Lythcott-Haims e a sentença da autora, antiga decana da Universidade de Stanford, é glacial: antigamente, os pais preparavam os filhos para a vida; hoje, os progenitores preferem proteger os filhos da vida –e isso vê-se nas pequenas coisas e nas grandes coisas.
Começa logo na infância, quando o perigo de pedófilos, sequestradores ou marcianos obriga os pais modernos a aprisionarem os filhos em casa. Resultado: a epidemia da obesidade infantil, alimentada por horas de sedentarismo, suplantou em muito os acidentes normais das antigas brincadeiras da infância.
Mas a obsessão securitária dos “pais-helicóptero” (expressão que designa os espécimes nascidos entre 1946 e 1964) não fica na infância. Depois de proteger os filhos nos primeiros anos, é preciso continuar a tratá-los como flores de estufa na escola e até na universidade. Como?
Escolhendo por eles (cursos, amigos, até tempos livres); pensando por eles (com exércitos de explicadores para todas as matérias curriculares); e até vivendo por eles (de preferência, medicando qualquer comportamento “desviante”, como a preguiça saudável ou o excesso de energia).
Essa atitude tem um preço e o preço encontra-se na quantidade de alunos que a autora encontrava na universidade literalmente à deriva: insones; deprimidos; ansiosos; incapazes de tomarem uma decisão por medo psicótico de fracassarem.
E, quando a decisão era inevitável, o comportamento era uniforme: um telefonema aos pais para que fossem os pais a decidirem por eles.
Para Julie Lythcott-Haims, a educação “moderna” fez dos “adultos” de hoje seres “existencialmente impotentes”. Porque os pais, na ânsia de tudo protegerem e controlarem, alimentaram nos filhos uma mentalidade de vítimas: seres frágeis e amedrontados que simplesmente não sabem como “funcionar” no mundo que existe fora do aquário.
Não será de admirar que, educadas perpetuamente como crianças, as crianças universitárias de hoje vejam “microagressões” em cada frase, curso ou professor. Tudo é ameaça para quem foi constantemente protegido de qualquer ameaça. Um livro. Uma frase. Um conceito. E, claro, um preconceito.
No livro, Julie Lythcott-Haims lamenta que os filhos de hoje não tenham a atitude dos filhos de ontem: uma certa rebelião existencial contra a autoridade dos progenitores, condição primeira para forjarem uma identidade independente. E poderem voar com as próprias asas.
Essas asas não existem. Elas foram destruídas pelo amor sufocante dos pais durante anos e anos de gaiolas douradas.
*Publicado na Folha de S.Paulo
Ká ká ká já venho assistindo um filme igualzinho a este há quase 30 anos. Um sobrinho quase trintão e a sua irmã com mais de 25, não sabem o que é ouvir um não. A mamãe só falta comer e beber por eles, o resto ela faz tudo pela dupla. Quando é que eles vão acordar não sei.