por Célio Heitor Guimarães
Li e não acreditei. Quer dizer, acreditei sim. Aliás, vindo de onde veio, não tenho a menor dúvida. Os jornais estão noticiando que o egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro iniciou, neste mês de setembro, o pagamento de um auxílio-educação a juízes e desembargadores fluminenses que tenham filhos entre 8 e 24 anos. E aí, passaram a ser sete os benefícios concedidos mensalmente aos eminentes magistrados, que totaliza, junto com o salário básico, mais de R$ 50 mil. Quer dizer, muito além do limite estabelecido pela Constituição Federal, que, no Rio, é o próprio vencimento básico dos insignes desembargadores, isto é R$ 30.471,08. O que passar disso, como para qualquer outro pobre mortal do serviço público municipal, estadual ou federal, bate no teto e vedada se torna a percepção.
A justificativa apresentada pelo eminente presidente da colenda Corte, quando encaminhou o pedido do benefício à Assembleia Legislativa do Estado, é de uma desfaçatez digna de s. exª.: “A perda de poder aquisitivo não conhece rubrica, vitimando a todos indistintamente. O auxílio serve como estímulo”.
Não é de chorar? E o resto da patuleia, excelência, aquela malta que compõe a maioria absoluta da população brasileira, que mal consegue comer e para a qual estudo é sonho distante ou coisa de ficção científica? V. exª. diz com sabedoria: a perda do poder aquisitivo vitima a todos indistintamente. Mas por que só v. exª., os seus nobres pares e os seus felizardos filhos devem ter corrigida essa perda? Ah, sim, porque têm a proteção da lei. Aí, excelência, data venia, a desfaçatez vira cinismo. E não preciso explicar-lhe por que.
Na Cidade Maravilhosa, os preclaros homens da toga percebem, como acessórios do salário básico, auxílios moradia, acúmulo de cargo, adoção, alimentação, creche, funeral e, agora também, educação. Aqui no Paraná, ao que se sabe, além do auxílio-moradia, mesmo àqueles despojados capas pretas que já habitam casas próprias, há algo como auxílio-transporte, auxílio-livro, auxílio-saúde e auxílio-fruta. Houve tempo em que o outrora eficiente e temido Conselho Nacional da Justiça andou escarafunchando essa matéria. Mas parece que se cansou, coincidentemente – e apenas coincidentemente, por certo –, depois que o judicioso ministro Ricardo Lewandowski assumiu a presidência do semiextinto CNJ.
O que não se sabe é em que mundo esses magos da justiça vivem ou pensam que vivem. Aqui no Brasil, no Rio ou no Paraná, não será. Aqui está todo mundo na pindaíba, equilibrando-se no fio da navalha, fazendo das tripas vazias coração para viver. A companheira Dilma e os governadores Pezão e pequeno Richa que o digam. Mas no mundo das excelências é tudo tão diferente, a privilegiada posição na escala social/profissional não permite que elas se aborreçam com tais migalhas econômico-financeiras. Aliás, constitui delito de lesa-majestade questioná-las.
Viu como são as coisas, Dr. Sérgio Moro? O senhor fica aí, dignificando a profissão, trabalhando qual um mouro, expondo-se, arriscando a vida, aplicando a lei como deve ser aplicada, enquanto muitos de seus pares se valem de outras leis, por eles próprios arquitetadas e aprovadas por legisladores pífios e governadores pusilânimes, para abiscoitar vantagens pessoais indevidas, reprováveis, inoportunas e que apenas se prestam para manchar-lhes as togas.
E então me vêm à mente dois exemplos, já mencionados aqui neste blog e que merecem ser repetidos por “calharem à fiveleta”, como gostava de dizer um outrora cultuado jurista deste país. Ambos envolvem o avô de minha mulher, o saudoso desembargador Clotário de Macedo Portugal, referido no comentário da semana passada:
- Clotário presidia o Tribunal de Justiça do Estado – este mesmo que hoje concede prazerosamente as “conquistas” da classe da toga. Na época, carro de representação era conferido apena ao presidente do TJ. Certa manhã em que dava uma carona a um colega, o inesquecível desembargador Manoel Lacerda Pinto, lapeano ilustre e de elevada compostura, Clotário embarca no veículo no exato momento em a neta, minha futura mulher, na flor dos seus então cinco ou seis anos de idade, saía da casa do avô em direção ao Colégio Divina Providência.
– Vamos dar uma carona para ela, Clotário. Afinal, passaremos na frente do colégio dela – sugeriu Lacerda.
– Não, Manoel – respondeu Clotário. Ela é jovem, irá a pé, pois caminhar faz bem.
2. Noutra ocasião, o mesmo Clotário, então interventor do Estado, passeava com os netos e por onde passava era festejado pelo público. Ante a animação dos pequenos, cortou o entusiasmo deles:
– Não é a mim que eles estão saudando. É ao cargo que eu ora ocupo.
O tempora! O mores! Socorro, Santa Themis!
Os vencimentos das eminências da côrte é equivalente à milhares de Dólares…………então tá explicado.
Já está na hora de começarmos a pensar e democratizar o judiciário, como ocorre, desde sempre, nos Estados Unidos, por exemplo.
O próprio Judiciário, faz algum tempo, não está se dando respeito internamente.
Um poder da República que está se pautando, dia a dia, por atitudes incompatíveis em face da função e da coisa públicas.
O Judiciário é o último bastião dos princípios republicanos; se ele trilhar o caminho das benesses, sinecuras e compadrios com os outros podres poderes da República, gente boa, somente uma revolução pelas armas colocará, se tanto, esse belo país nos eixos !!!
Será muito trista, mas não dá mais.