Do blog Cabeça de Pedra
Meu paraíso foi construído em cima de um terreno invadido. Não lembro por quem, pois eu estava no bucho da minha mãe. Ela morreu de tanto beber. Mas antes, com meu pai, que era viciado em outras drogas até se matar com o crack, construíram o barraco com papelão, compensado usado, plástico preto, etc. Tem um rio fedido aqui na frente. Quando chove eu rezo para ele não invadir meu pedaço. Fui criado pelos vizinhos. Aqui tem uma turma de bom coração. Os traficantes também têm e eu fui alimentado por alguns deles, que morreram ou estão presos. Mas quem vive da droga é uma raça que nunca acaba. Tem o dinheiro fácil e, dependendo do acordo, proteção. Um dia achei um livro dentro de um saco de plástico que o rio deixou no barranco embaixo da minha janela. Eu aprendi a ler nos dois anos que frequentei uma escola aqui perto. Depois desisti. O livro era bem diferente daquilo que a professora com cara de fuinha ensinava como se estivesse há anos sem trepar. Também, quem ia querer comer aquela coisa? Mas foi assim que comecei a entrar em outros mundo, que é o de quem escreve. Parece uma mágica isso. Resolvi ser mais catador de lixo reciclável só para ir atrás de mais histórias escritas. O dinheiro que ganho dá para não morrer de fome. Leio direto nas horas qlivres. Como faço meu horário, às vezes passo uma semana com os olhos pregados nas letras – às vezes o coração aos pulos. Já disse que funciona mais que droga. Acho que aprendi a falar melhor assim, sem muitos erros. Talvez eu escreva alguma coisa a respeito um dia. A respeito do meu paraíso. Aqui. Não preciso de muito. Apenas que não me encham o saco.