por Zé da Silva
Touro
A cicatriz é enorme. Começa no meio da canela, termina no meio da coxa. Esquerda. Tem outras. Mais escondidas. Na praia, todos olham. Se fica vermelho, o rasgo chega a ser indecente. Ele é indecente. Inventa histórias quando perguntam. Para alguns diz que foi no Vietnã. Bomba na selva. Vietcong. Voluntário nas forças derrotadas. Brasileiro de cabeça grande. Como se alistou? Ele ri. Para outros diz que é um experimento secreto. A perna toda é prótese. Os pelos provam o contrário. Ele ri mais. Não manca. Dá mancadas. Como no dia em que se meteu a dizer que era da guerrilha. Penduraram. Começaram a cortar de cima pra baixo. Navalha. Lembrou um porco que viu aberto a peixeira. Contou mentira. Jogaram no monte de lixo. Foi salvo. Em casa, quando lembra, chora. Escondido.