6:46Dilma e a saída pela direita

por Ricardo Melo

As manifestações de domingo encerram um paradoxo aparente. Pesquisas de opinião, marteladas com estridência, colocam Dilma Rousseff no ponto mais baixo de popularidade entre presidentes anteriores. A oposição –conduzida por golpistas declarados, antipetistas virulentos e derrotados incorrigíveis– apostou suas fichas nisso.

O raciocínio da turma emplumada previa a apoteose da onda de protestos. Não foi exatamente assim. Em número de pessoas, cifras iniciais apontam uma certa desidratação, ao menos nos grandes centros. Em quantidade de locais, talvez não. A conferir, pois se contabilizam como “atos” encontros de gatos pingados nos EUA, Austrália, Grã-Bretanha, Portugal e quem sabe Ibiza, St. Moritz e Miami, claro.

Seja como for, nenhum dos lados tem condições de festejar vitória. Embora menores, os protestos apontam para a permanência de uma queda-de-braço que, neste momento, tem seus principais lances decididos em gabinetes refrigerados e não no calor das ruas. Esse é o ponto.

Dilma obteve algum fôlego do ponto de vista da maldita governabilidade, com o adiamento de decisões dos tribunais que fazem cerco ao Planalto. O fantasma do golpismo paraguaio recolheu-se momentaneamente. Mas a que custo?

Pedra filosofal em cartaz, a Agenda Brasil é um programa de destruição de conquistas sociais de causar inveja à antiga UDN. Exemplos: mexe na aposentadoria, libera o uso obrigatório de verbas na Saúde e Educação, promete sacramentar a terceirização selvagem, favorece o setor ruralista, ameaça rendimentos do funcionalismo. Também afaga os planos de saúde com mais benesses. Pensou-se até em começar a privatização do SUS. Um desastre social.

Publicamente, o padrinho do monstrengo reacionário é o presidente do Senado, Renan Calheiros. Seu currículo político dispensa maiores comentários. Mais importante são os bastidores. A Agenda Brasil surge simultaneamente à movimentação do Planalto em direção ao grande capital.

Ao que já se sabe, e pelo que talvez nunca venha a público, no mesmo período multiplicaram-se reuniões de emissários do governo com presidentes de grandes bancos, empresários graúdos e magnatas das telecomunicações. A governabilidade passou a ser defendida pelo presidente do Bradesco, o vice-presidente do Grupo Globo, mandatários da Fiesp e da Firjan e outros tantos plutocratas. Margaridas e alguns movimentos sociais, independentemente de sua vontade, apenas coloriram o ambiente, como aquelas decorações usadas para enfeitar festas e banquetes da elite bem de vida.

Muita água vai correr por baixo desta ponte (para desespero de Geraldo Alckmin, exceto na Cantareira e adjacências). Mas a saída à direita decididamente enfraquece o governo. Ninguém tem dúvida: Dilma, Lula e o PT prosseguem na linha de tiro, ainda que somente para imobilizá-los.

Feitas as contas, constata-se dia após dia que um dos principais trunfos do Planalto é a indigência política das lideranças da oposição, inconfiáveis mesmo para os milionários que sempre as sustentaram. Isso hoje: numa conjuntura volátil, trata-se de uma combinação com prazo de validade impossível de prever. A única certeza é a de que arranjos semelhantes podem até salvar mandatos, engordar lucros e emparedar governos; jamais são capazes de melhorar a situação de um país.

*Publicado na Folha de S.Paulo

2 ideias sobre “Dilma e a saída pela direita

  1. antonio

    Me parece que realmente é isso que está acontecendo. O Governo atual está a retirar a bandeira da oposição neoliberal. E se a oposição assumir o governo, de fato, por impeachment ou renúncia, qual será a sua bandeira?

  2. Clint Eastwood

    Quem criou toda esta situação foi a Mulher Sapiens. aconselhada pelo seu marqueteiro, João Santana, veio com aquela bravata da “nem que a vaca tussa”. E a maldita da vaca tossiu. Depois da tossida da vaca as desgraças começaram, como que por encanto, mas começaram. Não acredito no impeachment, trocamos seis por meia dúzia. Aí as agências de risco, como que por milagre, mudam raiting da nossa dívida, para melhor, muitíssimo melhor. Os que tem voltam a ter mais, e os que não tem continuam não tendo, o desemprego não diminui e a indústria continua patinando, mas os bancos se enchendo de dinheiro cada vez mais. A tal Agenda vai ser ótima, como sempre foi, os que tem sempre vão ter mais, e querendo tirar o pouco que nos resta.

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