por Drauzio Varella
“Como você andava, irmã?”, perguntou o pastor sorridente, com a mão paternal no ombro de uma senhora tímida, de idade indefinida.
Na frente das câmeras, ela ensaiou passos curtos e trôpegos.
“E agora, depois de receber a graça, irmã?”
Decidida, a senhora cruzou o palco em passos lépidos e saiu de cena. “Deus é lindo”, proclamou ele para os aplausos da plateia.
Deixando de lado a indignação que nos causa ver espertalhões a explorar a fé e a credulidade para tomar dinheiro de gente pobre, qual seria a explicação mais razoável para aquela cena?
A senhora estaria mancomunada com a produção do programa? Teria um problema ortopédico que foi tratado ou melhorou espontaneamente depois de receber a tal bênção? A bênção agira como placebo?
E como explicar as palmas do auditório lotado? Todos acreditaram que foi mesmo Deus quem realizou aquela proeza fantástica?
Feiticeiros, xamãs, videntes, santos milagreiros e charlatães de toda espécie manipulam as inseguranças humanas diante da incapacidade de moldarmos o mundo segundo nossa vontade, do medo da decadência física, do desconhecido e da contradição imposta pela morte.
A ideia de que um dia fecharemos os olhos para retornar ao nada que existia antes de nascermos é insuportável para a maioria esmagadora da humanidade.
Para escapar dos becos que nos parecem sem saída, nós nos agarramos ao vai dar tudo certo, ao tenha fé em Deus. O pensamento mágico ignora as evidências contrárias, ainda que estejam a um palmo de nós; nossos desejos serão realizados por um toque da varinha de condão.
Quando corre o boato de que em determinada cidade surgiu um predestinado que opera milagres, centenas de milhares de pessoas de todos os estratos sociais e níveis de escolaridade vão atrás dele.
Viajam distâncias longas nas condições mais precárias, em busca de um gesto capaz de curar-lhes o câncer, devolver-lhes força ao coração infartado, elasticidade às articulações enrijecidas pelo reumatismo e movimento aos membros paralisados.
Acreditam que das mãos do predestinado emana uma energia que terá o dom de reestabelecer o equilíbrio entre as células do organismo, desorganizadas pela doença.
Se lhes perguntarmos que tipo de energia é essa, cinética, potencial, atômica, gravitacional, ou por que não serve para movimentar carros sem combustível, carroças sem cavalos ou fazer um homem levitar, ficam ofendidos e nos acusam de materialistas incrédulos, estupidificados pelo raciocínio científico.
O pensamento mágico está por trás das poções que tanta gente ingere com o propósito de manter boa saúde e curar males que vão do resfriado ao mal de Alzheimer.
São chás de todos os tipos, vitaminas compradas a preço de ouro e uma variedade de receitas tão diversificadas quanto a imaginação humana consegue criar. Muitas delas prescritas por profissionais que receberam o diploma de médico.
Já atendi mais de um adepto da cura pelo limão. Cada ciclo de tratamento tem 28 dias: no primeiro, você toma o suco de um limão, no segundo o de dois limões, no terceiro o de três, no 14º dia o de 14.
A partir do 15º dia, em ordem decrescente, 13, 12, 11, até voltar a uma unidade. Terminado o ciclo, começa tudo de novo: um, dois, três, quatro…
O número dos que consomem vitaminas e suplementos alimentares da mais absoluta inutilidade é assustador.
Quando passo na porta de lojas do tamanho de supermercados que comercializam esses produtos, em países com níveis altos de escolaridade como Estados Unidos ou Japão, fico descrente da racionalidade da espécie humana.
Em franca expansão no Brasil, esse mercado movimentou, só nos EUA, US$ 23 bilhões no ano passado.
Para aqueles com acesso a alimentação variada que inclua frutas, legumes e folhas verdes, tomar vitaminas ou acrescentar suplementos à dieta tem o mesmo impacto na prevenção de doenças e preservação da saúde do que as bênçãos dos iluminados.
A única saída para formarmos gerações de mulheres e homens menos crédulos é ensinar ciência e os princípios básicos do pensamento científico já na escola primária.
*Publicado na Folha de São Paulo