por Célio Heitor Guimarães
Houve época – no tempo do velho O Estado do Paraná – em que eu me intitulava, com muito gosto, porta-voz dos avós sem coluna. Hoje, talvez possa intitular-me porta-voz dos anciões sem coluna e sem amparo. E o faço também com muito gosto. Por uma questão de justiça. E orgulho próprio. No Brasil, ao contrário de na maior parte do mundo civilizado, à medida em que os velhos aumentam em quantidade, perdem espaço, respeito e qualidade de vida.
Semanas atrás, lembrei aqui o desabafo do septuagenário Rubem Alves, que “desencantou” no ano passado, mas continua o meu filósofo favorito. Segundo Rubem, para os jovens e, sobretudo, para os governantes deste país, homens e mulheres são como ferramentas, que só valem enquanto forem úteis: “Um serrote velho, uma enxada gasta, um alicate torto, um fósforo riscado, uma lâmpada queimada, não prestam para nada. Não merecem ser guardados. Só ocupam espaço e devem ser jogados fora”.
Lulinha paz e amor e agora aquele ex-garboso menino que habita o Palácio Iguaçu e que G. Must chama de Charles Albert Richard fizeram e continuam fazendo tudo para se livrar dos velhinhos da pátria. Tiraram direitos e vantagens deles, taxaram-nos com a previdência para a qual já contribuíram a vida toda. Quer dizer: têm em mente um objetivo comum: sepultar-lhes antes da hora. Mas não são capazes de responder a singelas perguntas como: o rombo do INSS acabou com a contribuição previdenciária dos aposentados e pensionistas do Brasil, estabelecida nos idos de 2003? A ParanaPrevidência estará a salvo da bancarrota com a fatia de dinheiro retirada pelo Estado do Paraná dos proventos de inatividade e pensão dos ex-funcionários e de seus dependentes?
O mais perverso de tudo é que os canalhas avançam sobre quem não tem mais poder de fogo, está no ocaso da vida e, quando muito, só tem presente. Haverão de pagar pelas suas ações – aliás, já estão pagando –, não por castigo divino, porque o Deus no qual acreditamos não castiga ninguém, mas por conta da lei de causa e efeito: fez, recebe de volta o resultado. Talvez os mais jovens ainda não saibam bem o que é isso, mas os velhos que aqui represento sabem bem.
Como todo mundo, também estou envelhecendo. E posso garantir que isso não dói. Quer dizer, dói um pouco, sobretudo nas juntas. Mas nada que se compare à ingratidão, particularmente dos jovens e dos governantes que se julgam imunes à velhice. No mais, a sensação que se tem é a de vida vivida, de missão cumprida, de histórias para contar e de aprendizado para ensinar. Outra vantagem que só os velhos adquirem com o passar do tempo: coragem para fazer o que fazem e dizer o que dizem. Rubem Alves dizia, com conhecimento de causa, que “a velhice é o tempo da verdade da alma”. E fazia do crepúsculo a metáfora mais apropriada para a vida.
A propósito do tema, recebi de Sirlene, uma leitora e amiga a quem quero muito bem, uma bela crônica do nosso Rubem, cujo primeiro aniversário de falecimento se aproxima. Nela, com o costumeiro estilo saboroso, ele se refere ao Outono, Outono com O maiúsculo. E diz assim:
“Foi-se, finalmente, o Verão, não sem antes fazer algumas grosserias e malcriações: trovejou, relampeou, choveu, inundou. Não queria ir embora. Compreendo. Queria ficar para ver e namorar o Outono, que é muito mais bonito que ele. Verão, quarentão. Recusava-se a aceitar os sinais da passagem do tempo. Não queria dizer adeus. Gostaria de ficar. A vida é tão boa! Mas o tempo é implacável.
“O Sol lhe disse que a hora do adeus havia chegado. Foi-se inclinando no céu, suas viagens cada vez mais curtas, as noites mais longas, o crepúsculo chegando mais cedo, as manhãs chegando mais tarde. O vento antes convidava para que se tirasse a camisa. Agora ele causa arrepios e chama os agasalhos das gavetas onde dormiam.
“No Verão o excesso de luz ofusca as cores. No Outono a luz fica mais mansa e as cores desabrocham como flores. O Verão é inquieto. Tudo nele convida a sair. O Outono é tranquilo, introspectivo, convida ao recolhimento e à meditação. É um convite ao pensamento. Gosto especialmente de suas tardes.
“O Verão é estação do meio-dia. O Outono vive mais ao sol que se põe. E como são belos os dois, Outono e tarde! Há uma pitada de tristeza misturada no ar. ‘O que é bonito enche os olhos de lágrimas’, dizia Adélia. Os dois se parecem porque os dois estão cheios de adeus”.
O Outono somos nós, os velhos. Os jovens, com certeza, são o Verão. Mas “somos velhos não por causa do tempo que passa, mas porque dentro de nós moram eternidades” – arremata Rubem Alves.