10:11O mundo num guardanapo

por Yuri Vasconcelos Silva

O balcão do bar, uma extensa peça monolítica de ébano iluminada por spots avermelhados suspensos como auréolas sobre as poucas cabeças que insistiam em permanecer. Erre de Bastos, a cabeça quase genial da arquitetura segundo ele mesmo, já havia tomado toda a sorte de drinks. Estava montando, com os copos esvaziados, um tipo de castelo de vidro sobre o ébano. Quando pediu mais uma dose de tequila, o barman avisou que não o serviria mais. Bastos protestou. Sem aquele reduzido copo, não poderia terminar sua obra definitiva. Com a voz embriagada, pediu um guardanapo. Sacou de seu bolso uma lapiseira sofisticada com suspensão a ar e massageador de dedos. Nem um traço, porém. Ele escreveu.

O título se revelou um pouco pretensioso. Idéias para a perfeição do mundo. Bastos escreveu no pouco espaço em branco:

“Oh mundo terrível assombrado pelo carbono de todos os veículos, cozinhando o planeta lentamente. Basta! Eliminarei todas as variações de veículos  do planeta e substituirei os deslocamentos de seres e produtos pela salvadora tecnologia do teletransporte. Se desejar ir ao cinema, em um aplicativo no seu celular aperte o botão e instantaneamente será materializado em qualquer sala de exibição do planeta. Transporte de mercadorias, água em regiões com crise hídrica, viagens internacionais, saudades de alguém distante, resgates de pessoas em situações de acesso impossível. O teletransporte será a nova estrada.

Óh mundo terrível assombrado pela carência de recursos de suporte à vida, com pessoas passando fome sem necessidade. Com a exploração desenfreada dos recursos naturais que não se renovam. Basta! Evoco a mais famosa teoria de Einstein que demonstra que matéria e energia são dois lados de uma mesma moeda. Quanta estupidez usar tal conhecimento apenas para produzir bombas termonucleares. Em todos as cidades, vilas ou aldeias as pessoas poderão fabricar o que precisarem a partir da energia. Uma máquina vai transmutar a energia que recebe em qualquer combinação molecular imaginável. Alimentos, remédios, roupas, equipamentos, partes de uma casa a ser montada, livros. A lista seria quase irrestrita. Um protocolo ético será embutido nas máquinas, para que seres vivos ou armas não sejam produzidas. A economia como a conhecemos terá seu fim em nome de algo maior e melhor.

Óh mundo terrível assombrado pela carência de energia, com civilizações piscando por falta de luz. Basta! Com tanta energia disponível pelos próximos 4 bilhões de anos, o sol que ilumina e aquece este pálido ponto azul é desperdiçado. Projetarei uma ampla rede de captadores solares em órbita. Como gigantes guarda-sóis invertidos, eles captarão e converterão a radiação solar em energia elétrica. Baseado nas idéias do esquecido e genial Nikola Tesla, a eletricidade será enviada para estações em solo pelo vácuo e ar, assim  como será distribuída por toda a parte sem necessidade de fios ou cabos. Será o fim dos tropeços e benjamins. Que mundo glorioso será este, contido apenas em um guardanapo”.

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