Para quem não leu, segue a íntegra da reportagem onde o prefeito Gustavo Fruet fala de tudo um pouco para a jornalista Maria Cristina Ferna, do jornal Valor Econômico. O título resume o mote da conversa: “O bombeiro da cidade conflagrada”.
No dia 29 de abril, quando a ocupação de professores da rede estadual foi dissolvida a cassetetes, bombas de gás lacrimogênio e balas de borracha no Centro Cívico, a praça dos três Poderes de Curitiba, a prefeitura foi esvaziada para abrigar os feridos, que lá receberam os primeiros socorros.
O prefeito Gustavo Fruet (PDT) chegou a ser barrado à entrada da Assembleia Legislativa por policiais militares trazidos do interior que não o reconheceram. “Parece uma praça de guerra”, escreveu no Twitter antes de pedir moderação ao governador. O prefeito não tinha dúvida de quem era o domínio do fato. “Como se não bastasse o clima de tensão, muitos policiais chegaram aqui depois de longas viagens, talvez cansados e pouco alimentados”, relembrou, em entrevista ao Valor na semana passada, em seu gabinete, de onde se avista a praça da guerra.
As várias passeatas que se sucederam ao confronto paravam em frente à prefeitura para aplaudi-lo, mas Fruet, ao contrário de políticos de oposição, não subiu em carro de som para discursar contra o governador.
Aos 52 anos, Fruet gere a cidade mais conflagrada do Brasil. Não tem mais greves do que a média do país, mas abrigou uma que valeu por todas. É a encarnação da terceira via num Estado em que os professores encarceraram o PSDB e a Operação Lava Jato, que tem em Curitiba seu quartel general, acuou o PT.
Em 2018, o governo estadual, pela gravidade, tende a cair no seu colo, desde que o pedágio de 2016 seja honrado. Talvez por isso, Fruet segura o ativismo da mulher, a jornalista Marcia Oleskovicz, nas redes sociais e evita chutar os cachorros mortos que o cercam. “Para ganhar credibilidade levase muito tempo, mas para perder, é muito fácil”, diz. “Beto foi reeleito por um
eleitorado marcadamente antipetista. Mesmo que não tivesse uma marca forte, o Estado mantinhase fora da crise. Isso começou a se desestruturar logo depois da eleição, quando chegou a dizer que o melhor estava por vir. Faltou clareza e transparência para conduzir os ajustes”.
É a segunda vez que um Richa e um Fruet coabitam o governo do Paraná e a Prefeitura de Curitiba, no Estado cujo familismo na política já levou dois irmãos (Osmar e Alvaro Dias) a ocupar simultaneamente a bancada do Senado. Em 1983, ano em que as capitais ainda tinham prefeitos biônicos, o governador José Richa nomeou o deputado federal Maurício Fruet, ambos do PMDB, para administrar Curitiba.
A reedição dos sobrenomes, 30 anos depois, levou a Prefeitura de Curitiba e o governo do Estado à relação mais magra da história. São apenas oito convênios, nenhum deles firmado na atual gestão de Fruet. Esse esgarçamento acabou comprometendo uma das vitrines da cidade, o transporte público, com a suspensão da tarifa única de ônibus entre os municípios da região metropolitana.
Fruet e Richa foram correligionários até setembro de 2011. O prefeito chegou a disputar o Senado na chapa da primeira eleição do governador ao Palácio do Iguaçu. Sem espaço no PSDB, filiouse ao PDT para disputar a prefeitura em 2012. As pesquisas lhe trouxeram em terceiro lugar até a véspera da eleição.
Depois de gastar menos da metade dos seus dois principais adversários, segundo o Tribunal Superior Eleitoral, acabaria derrotando o candidato do governador, Luciano Ducci (PSB), por uma vaga no segundo turno contra o atual secretário de planejamento urbano do governo estadual, Carlos Roberto Massa Junior (PSC), que adotou o nome do pai, o apresentador de TV Ratinho.
Numa campanha acirrada, Fruet teve que se haver com acusação de nepotismo, por ter anunciado, desde a campanha, que contaria com a ajuda de sua irmã, Eleonora, futura secretária de Finanças, e Ratinho enfrentou a rejeição da classe média curitibana à audiência da família na TV e na política.
Ratinho pai e filho, que comandaram a reeleição de Richa no interior do Estado, dominam a Assembleia Legislativa cuja maioria aprovou a investida do governador sobre o fundo de previdência estadual, principal motivo da rebelião dos servidores.
O prefeito herdou sua primeira candidatura à Câmara dos Deputados de Maurício Fruet, que morreu 35 dias antes da eleição. Quase sempre se remete ao pai, quando tem que explicar por que governar ficou mais difícil “Os prefeitos se preocupavam com três coisas, sistema viário, sistema de transportes e lei de zoneamento. Depois da Constituição de 1988, educação, saúde, meio ambiente e até segurança passaram a disputar a agenda e o orçamento das prefeituras.”
Ao tomar posse, em janeiro de 2013, foi criticado pelo discurso em que falou das dificuldades econômicas que o levariam a cortar, na partida, 25% do custeio. Herdou uma dívida de curto prazo equivalente a 15% da receita corrente líquida. Pela lei pode esticar a corda até 120%, o problema é a contrapartida. Para cada R$ 1 que consegue de financiamento, o erário municipal tem que entrar com R$ 0,50.
Depois que se arruma o dinheiro, vem a burocracia. “A demora numa licitação é quase tão onerosa quanto a corrupção”, diz. “Quando meu pai era prefeito e visitava comunidades que precisavam de uma ponte, ele pegava o telefone e ligava para o secretário de obras: olha, pega um caminhão e uma máquina e leva lá areia, asfalto e brita’. Um mês depois a ponte tava pronta. Hoje se o prefeito fizer isso corre o risco de responder por improbidade.”
Assim como a de São Paulo, a planta genérica de valores do IPTU estava congelada havia 11 anos quando Fruet tomou posse. Pagavase menos imposto pela propriedade urbana do que pela posse de um veículo (IPVA). Ao contrário do prefeito Fernando Haddad, no entanto, Fruet planejou aumentos escalonados e evitou questionamentos legais.
Curitiba hoje tem 1,8 habitante por carro, o que a coloca na condição de capital mais motorizada do país. Sem elevar o tom contra a classe média, Fruet cita as cifras da malha viária para questionar o custo político de sua ampliação. “Um quilômetro de via nova custa R$ 1,5 milhão. É quase o valor de uma creche. É justo gastar tudo isso para passagem e estacionamento de carros?”
Na tentativa de reverter a condição de capital brasileira dos automóveis e retomar o protagonismo dos anos 1980 na mobilidade urbana, Fruet tem quase metade de suas parcerias com o governo federal destinadas ao transporte público.
As parcerias foram acompanhadas da aproximação política com o governo Dilma Rousseff, a partir da aliança com a senadora e exministra da Casa Civil da Presidência, Gleisi Hoffmann. O apoio do PT a Fruet em 2012, com a indicação do vice, foi retribuído com a adesão do prefeito à candidatura derrotada da senadora petista em 2014.
O casamento dos litigantes foi tema de ambas as campanhas. Um dos deputados mais atuantes da CPI dos Correios, Fruet diz que a Operação LavaJato é uma consequência do mensalão “Não deu tempo de investigar, mas já se sabia naquela época que o esquema era uma forma de internalizar recurso de grandes financiadores.”
Quando a CPI acabou, Fruet dedicou-se a eleições majoritárias e passou cinco anos sem voltar ao plenário. “Saí do Congresso porque não queria mais participar de CPIs, e eis que elas vão para Curitiba a exatamente três quadras da minha casa”, diz, numa referência ao quartelgeneral do juiz Sergio Moro no Alto da XV, bairro ao leste de Curitiba.
Afirma ter encontrado, ao voltar para o Paraná, práticas semelhantes no governo do PSDB àquelas que havia denunciado. É rápido ao responder se o PT é mais corrupto que os outros partidos “Não. É uma avaliação simplista. Serve mais para torcedor. O PT tem uma bela história, mas entrou num esquema de desvio muito grande que capturou muitos dos seus principais personagens. Aquele militante ideológico, tradicional, deve estar sofrendo. É o único partido que ainda mantém trabalho de base, mas não sei como vai se recuperar.”
Aposta que a animosidade contra o partido vista na disputa presidencial de 2014 só vai crescer em 2016: “Mais do que rejeição, o PT está despertando ódio e vai pagar um preço alto nas eleições municipais porque é uma rede que envolve pessoas que são referência não apenas para o partido, mas para a sociedade.”
Estaria falando do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva? Fruet diz que o julgamento de Lula, seu principal alvo na CPI dos Correios, vai ficar para a história, mas a caução já começará a ser paga nas próximas eleições. Não acredita que o ex-presidente correrá o risco de ser candidato. “O processo eleitoral vai ficar ainda mais radicalizado e o caminho do Lula seria dividir a sociedade entre pobres e ricos, nós contra eles. Acho que esse discurso não se sustenta mais.”
Contra a corrente predominante não apenas no PT, diz que é a presidente Dilma Rousseff, em caso de a economia se recuperar, que pode ter capital político para definir a sucessão de 2018. “Dilma foi de uma lealdade a Lula impressionante. Pode ter atitudes, mas não tem uma única declaração de confronto, o que não é comum em se tratando de um sucessor. Se a economia melhorar, passa a ter um papel importante, até porque já não é mais candidata, a não ser a escrever sua biografia.”
Na condição de gestor, Fruet não pode torcer para o quanto pior. Tem ciência de que o ajuste fiscal vai arrochar ainda mais a federação, mas apoia o ajuste fiscal porque não vê outro caminho de curto prazo. Com a continuidade do ajuste, o Brasil de amanhã pode ser a Curitiba conflagrada de hoje. Daí porque, passado o sufoco, diz que terá chegada a hora da rediscutir atribuições: “Se não dá para descentralizar receita, que se reconcentrem as competências.”
Diz que o Sistema Único de Saúde é o exemplo mais acabado de crise de financiamento da federação. Os repasses para a compra de medicamentos atrasaram oito meses em Curitiba. “São 109 unidades de saúde, frequentadas porpacientes dependentes de medicação. O que faço com essas pessoas?”
Sua posição pró-ajuste o coloca em confronto com seu próprio partido que, a despeito de estar na base do governo, votou contra as medidas provisórias. Atribui o cabo de guerra à pressão de setores do PDT por mais espaço no governo. Estende a crítica aos seus antigos correligionários tucanos: “O PSDB ficou muito tempo sem defender o legado de
Fernando Henrique e sem ter uma postura real de oposição. Agora quer copiar a oposição que o PT fez e, mais uma vez, não rejeita o legado. Como é que se explica esse voto contra a mudança do fator previdenciário? É fácil falar fora do governo, mas o papel da oposição não pode ser o de destruir o governo. Esse modelo de polarização não vinga mais.”
Fruet atribui aos erros do PSDB o vazio na política nacional que vem sendo preenchido pelos presidentes da Câmara e do Senado. “Eduardo Cunha e Renan Calheiros viraram os grandes protagonistas porque ocuparam esse vazio e lideram temas que extrapolam a vida partidária, como a redução da maioridade penal e o casamento gay.”
O prefeito de Curitiba teme o que chama de ‘pêndulo conservador’ das próximas eleições. Diz que quem passa pela prefeitura de uma grande cidade não pode ser a favor da redução da maioridade penal. “Estamos perdendo a guerra para a barbárie. Há bebês na rede municipal com crise de abstinência, abandonadas por pais usuários de drogas.”
Cita o ex-primeiroministro da Itália, Silvio Berlusconi, eleito depois da Operação Mãos Limpas, como a ameaça que paira sobre a política brasileira pós-LavaJato. Descrê do futuro eleitoral do exministro do Supremo, Joaquim Barbosa (“notoriedade não significa voto”) e é pouco conclusivo sobre a ex-senadora Marina Silva: “Já passou por duas eleições, enfrentou a brutalidade das campanhas e tem um pouco do idealismo que falta à política. Tem história de superação. Lula perdeu quatro.” E o prefeito do Rio, Eduardo Paes, seu antigo
companheiro de CPI? “Pode ser, mas não vai ser fácil se impor ao PMDB e às realidades do partido em Minas, São Paulo e Rio.”
Fruet não se decepcionou com a reforma política porque nunca acreditou que fosse sair, mas viu com desalento o fim da reeleição “A gente tem que decidir se acredita ou não no discernimento do eleitor. O povo tem que ser tutelado? Numa hora pode reeleger e na outra hora, não pode mais?”
Nunca foi favorável ao financiamento exclusivamente público das campanhas eleitorais, mas acha que a discussão no Congresso tangenciou o foco do problema, o horário eleitoral gratuito. “A democracia está muito cara. É insustentável. A primeira coisa que tinha que acabar era esse modelo de propaganda. Como prefeito candidato à reeleição posso até ser prejudicado com o fim de um formato destinado a mostrar o que fiz, mas acho que o que importa mesmo é debater. Eleição é isso, debate. Devia ser esse o formato.”
Fruet tinha 25 anos quando a Constituição de 1988 foi promulgada. Doutorou-se em direito e, oito anos depois, elegeu-se para seu primeiro mandato de vereador. Desde então nunca mais deixou de ouvir o verbo reformar. Durante os 12 anos que passou no Congresso, foi um de seus arautos. Na prefeitura, deu-se conta de que nenhuma reforma se propõe a mudar o capitalismo sem concorrência que se vale da política e da máquina pública para se
perpetuar. A LavaJato é a prova disso. “A gente se arrebenta para se eleger e quando chega no poder encontra as mesmas pessoas que estão mandando desde sempre e vão continuar mandando. Não tem regra escrita que mude isso. O que me incomoda é a ilusão que se vende permanentemente, não apenas para a sociedade, mas para nós mesmos.
Ainda é uma das únicas pessoas com visão clara do que é a vida pública. Sempre coerente e lúcido. Infelizmente não se governa sozinho.
Junto com operação desastrosa contra os professores, a maior burrice do Beto Richa foi dar, com isto, a reeleição para o Fruet de presente. Pobre dos curitibanos.
Lúcido, mas é uma voz isolada na escumalha que dominou o caldo político…