14:11O homem de Julho

por Yuri Vasconcelos Silva

Porque o amor é uma decisão.

Atílio se deparou com a frase enquanto rodava um Livro de Rostos com divertidas banalidades na tela do computador. Foi um amigo de Julho que havia postado este quase haicai. Sussurra a lenda de algumas castas de gnomos que o mês de Julho produz as pessoas mais racionais e frias dentre todos os outros meses.  Atílio ficou intrigado com a afirmação. Ele soube de imediato que esta era a intenção. Muita gente faz isso no Livro de Rostos. Sentenças como “O apito não é de cana” ou “O fim é só o meio” pululam de vez em quando por lá, para criar uma misteriosa expectativa em torno do autor. Também poderia ser o caso de envio de uma mensagem emocionalmente criptografada, onde somente o receptor a entenderia. Especialmente se fosse um tapa de luva, virtual, pelica e tal.

Na realidade, o motivo não interessava à Atílio. Ele ficara encasquetado com o erro de seu amigo. Por quê? Porque o amor não é uma decisão. Não só Atílio sabia disso, como todas as suas células, bactérias e alguns fungos que compõem seu corpo também. Ele não poderia explicar, da forma lógica como exigiria o amigo, por que o amor não entra na categoria do livre arbítrio. Atílio acredita que estas coisas acontecem – e quase sempre dão terrível dor de cabeça. A dor talvez seja um sintoma de que o assunto não deveria ser pensado. O amor, a arte, a fé e a torta de banana do Wagner Café estão fora do alcance dos microscópios eletrônicos da varredura dos cientistas, com suas indefectíveis medotologias. Seria como tentar explicar o sabor de madeileines com chá a outrem. Os sabores são experiências individuais. Não podem ser definidos, descritos e compartilhados como uma tese de saberes.

No fim do caminho, Atílio entendia que a única escolha que restava sobre o amor é que ele poderia ser contido e escondido. O que, para ele, seria uma ignorância equivalente a acreditar que em dias de tempestade o céu deixa de existir. Para alguns é mais difícil sentir o gosto das madeileines, é verdade. Em especial para aqueles que decidiram escondê-lo, o que quase sempre provoca uma catástrofe na vida do sujeito e de seus mais próximos, reversível às vezes com anos de generosas doses de lítio, efexor e lero-lero no psiquiatra.

Atílio, revisando suas certezas sobre o amor, ainda não acalmara sua inquietação sobre a afirmação do amigo de Julho. A semana passou e então, na sexta, uma epifania pingou em Atílio. Pizza! Era a noite de pizza. Por deus! como Atílio amava pizza! Toda noite de sexta-feira era a mesma tormenta. Atílio sofria para escolher o sabor a cada semana. Seu fornecedor predileto lhe oferecia três tipos de bordas, dois tipos de massas e, por fim, quarenta e um sabores. Atílio, versado na arte das combinações – era alfaiate –  sabia que tinha 246 possibilidades de saborear seu jantar naquela noite. Mantinha um caderno onde dava notas para cada combinação, incluindo a marca e acidez do azeite que derramava sobre sua pizza. Com base neste caderno, ele conseguia verificar as mais constantes repetições, a taxa de risco, os top 10. Até um gráfico estatístico arriscou fazer. No fim da sexta, largado no sofá, concluiu que amava em demasia as sextas solitárias de pizza, com os riscos de escolher um sabor ruim. Ora, veja só. O amor talvez seja uma decisão.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.