por Eduardo Galeano
A mulher e o homem sonhavam que Deus os estava criando.
Deus os sonhava enquanto cantava e agitava suas maracas, envolvido em fumaça de tabaco, e se sentia feliz e também estremecido pela dúvida e o mistério.
Os índios makiritare sabem que se Deus sonha com comida, frutifica e dá de comer. Se Deus sonha com a vida, nasce e dá de nascer.
A mulher e o homem sonhavam que no sonho de Deus aparecia um grande ovo brilhante. Dentro do ovo, eles cantavam e dançavam e faziam um grande alvoroço, porque estavam loucos de vontade de nascer. Sonhavam que no sonho de Deus a alegria era mais forte que a dúvida e o mistério; e Deus, sonhando, os criava, e cantando dizia:
– Quebro este ovo e nasce a mulher e nasce o homem. E juntos viverão e morrerão. Mas nascerão novamente. Nascerão e tornarão a morrer e outra vez nascerão. E nunca deixarão de nascer, porque a morte é mentira.
* Da Trilogia “Memória do Fogo” – 1) Nascimentos
Sentei no banco de um jardim ao lado de uma roseira
Vi uma lagarta corcovando sobre a folha
Pensei em tira ela e esmagar
mas a deixei comer algumas folhas
um outro dia no mesmo jardim
não vi a lagarta no pé de rosa
mas vi um casulo pendurado entre os galhos e os espinhos
aparei os espinhos e o deixei pendurado
dias depois voltei ao jardim.
não vi a lagarta e o casulo violado
sentei no banco triste compadecido
do que poderia ter acontecido
uma borboleta azul veio em minha direção
sentou na minha mão
estaria ela me agradecendo?
não matei a lagarta e dei uma chance para ela viver.